Mensagem distorcida

Com essa fala, o presidente se afastou do novo Bolsonaro mais comedido e que evita confrontos com os demais poderes

Por: Da Redação  -  24/09/20  -  09:20

Ao longo das décadas, o Brasil construiu no exterior uma imagem de País predisposto ao diálogo, à solidariedade e ao relacionamento pacífico com os demais povos. Seu passado tem sido marcado por não se alinhar a uma ou outra potência nem investir em inimigos externos para barganhar vantagens diplomáticas. Se o Brasil não obtém maiores compensações externas não é por sua aversão à beligerância ou qualquer outra movimentação agressiva além de suas fronteiras, mas por suas falhas internas, como infraestrutura, educação e saúde ineficientes e muita corrupção e gastos públicos historicamente excessivos. Porém, como já o fez em sua apresentação de abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro, em sua segunda participação, na terça-feira, não só ignorou a tradição da diplomacia brasileira, sempre propositiva, como reforçou uma tese própria de perseguição e de que as extremas riquezas do País são ambicionadas por estrangeiros e brasileiros “impatriotas”.


Assim, ao invés de propor soluções, explicar os feitos do governo ou acenar para parcerias internacionais, o presidente Jair Bolsonaro, ao discursar de forma virtual para a ONU, fez acusações, se esquivou de suas responsabilidades, apelou para o negacionismo, distorceu fatos. A fala à ONU é uma oportunidade rara do Brasil se mostrar ao mundo, mas Bolsonaro preferiu claramente se comunicar mais com o País, mais precisamente com seu eleitorado. Fez isso, por exemplo, ao criticar o Fique em Casa e defender a hidroxicloroquina, ao sugerir que a Venezuela é responsável pelo petróleo que se espalhou pelo litoral nordestino e ao reclamar da cristofobia – algo sem sentido para uma nação majoritária de cristãos.


A conclusão é que um conteúdo tão extremado e conflituoso, com dados apresentados de forma imaginativa, só vai acabar por aprofundar o lado negativa do País, principalmente no campo ambiental, um ponto mundialmente tão sensível devido às mudanças do clima.


Com essa fala, o presidente se afastou, espera-se que momentaneamente, do novo Bolsonaro mais comedido e que nos últimos meses passou a evitar confrontos com os demais poderes da República. Por outro lado, o discurso para a ONU reforçou a prioridade eleitoral em sua agenda. Houve sim um esforço para não ser tão radical – como se tratou desta vez de uma apresentação gravada, o presidente retirou de sua fala as críticas à própria ONU e ao aborto. Mas preservou no cardápio temas e argumentações suficientes para manter cativos seus eleitores.


Entretanto, a mensagem da nação ao mundo é uma ferramenta de Estado e não de governo, afinal, se trata da assembleia anual dos representantes das nações. O recado que o País passa é de desinteresse pelos problemas internacionais, o que fecha portas no âmbito não só da economia, mas da tecnologia e de muitas outras áreas.


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