A suspensão dos estudos da vacina da farmacêutica AstraZeneca e da Universidade de Oxford, poucos dias após a chinesa Sinovac avisar que a resposta imunológica de sua imunização em idosos é mais fraca do que a de jovens, serve de alerta de que nesse campo os critérios devem ser científicos. No âmbito político, o interesse deve ser somente o de dar prioridade de verbas, como o momento atual exige. Interferências por questões eleitorais, conforme verificado nos Estados Unidos, ou ideológicas, inclusive negacionistas, são dispensáveis. A rigor, o revés da pesquisa britânica não é de todo extraordinário, considerando cientistas e infectologistas que alertavam ser difícil produzir em poucos meses imunização para cobertura mundial de doença ainda pouco conhecida.
Segundo o New York Times, o grupo britânico suspendeu sua vacina após identificar inflamação na medula espinhal provocada por infecções virais em um voluntário. Não se sabe se essa complicação tem relação com a imunização, que estava na fase final de testes com 18 mil participantes. De forma responsável e ética, a empresa optou por travar o estudo até obter explicações mais conclusivas, adiando inclusive imensas possibilidades de ganhos financeiros.
A decisão atinge diretamente o Brasil, que separou R$ 2 bilhões para a Fiocruz produzir aqui a mesma vacina. Se os estudos não forem retomados nas próximas semanas, o País terá que buscar outras alternativas, como a chinesa, que já tem parceria com São Paulo. A Sinovac, apesar de ainda estar em testes no Instituto Butantan, já foi aplicada em milhares de pessoas na China. Ela diz que sua vacina é segura. Porém, falta ainda a terceira fase de testes indicar que a empresa conseguirá melhorar os resultados para os idosos – sem a proteção ampla desse grupo, a vulnerabilidade à doença continuará.
Há ainda a opção russa, infelizmente sob desconfiança pela pressa e publicidade com que foi anunciada, numa interferência política clara do Kremlin. O Paraná diz que faz testes sérios da imunização, o que terá que ser conferido pelo Ministério da Saúde.
Restam ainda os laboratórios americanos. O presidente Donald Trump garante que uma delas estará pronta para aplicação em massa antes da eleição em 3 de novembro. Observando a tradição de ponta da ciência dos Estados Unidos, avanços importantes podem ser anunciados, mas será preocupante se isso se der em razão da pressão da Casa Branca.
Além do critério científico, por incrível que pareça o sucesso da vacina, que é aplicação em massa, também exige confiabilidade. Tal como na Revolta da Vacina de 116 anos atrás no Rio de Janeiro, muita gente tem aversão a imunização e alguns fanáticos alegam que, no caso da covid-19, é dispensável porque se tem cloroquina. A vacina é a única arma cabal contra o nefasto coronavírus, mas é preciso respeitar o tempo da ciência. Pede-se então aos políticos mais prudência.