Confusão sinérgica

O presidente quer desvirtuar uma CPI contra o Governo, mas congressistas já trabalham para aliviar as culpas

Por: Da Redação  -  13/04/21  -  08:18

Em mais uma tentativa de tumultuar o ambiente político nacional, o presidente Jair Bolsonaro sugeriu, em conversa gravada cujo teor vem sendo revelado aos poucos desde domingo, desvirtuar a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que o Senado deverá abrir para apurar as responsabilidades de Brasília pela atual situação da pandemia de covid-19.


O diálogo, havido com o senador goiano Jorge Kajuru e por este divulgado, é uma peça exemplar da prática que o chefe do Executivo tem aperfeiçoado desde seu ingresso no Palácio do Planalto: afastar de si os ônus de sua função e responder a acusações com impropérios ecoados por sua claque.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Ainda que, para os apoiadores com quem se encontra rotineiramente no Palácio da Alvorada, Bolsonaro tenha manifestado contrariedade pela exposição do áudio, o jornal O Estado de S. Paulo apurou que Kajuru lhe tinha dito que publicaria o teor da gravação em redes sociais. Em 20 minutos, lá estava o material. O presidente, conforme o senador, não tentou dissuadi-lo.


Há outros poréns. Um deles é o de que Bolsonaro propôs a Kajuru a ampliação do escopo da CPI, para incluir eventuais faltas de estados e prefeituras no combate ao coronavírus. O outro, a sugestão presidencial, também feita ao senador, para que peça o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Tais solicitações, na óptica governista, decorrem de que a futura CPI da Covid-19 só existirá porque — a pedido de senadores — o ministro Luís Roberto Barroso mandou que se abra a comissão, solicitada por mais de um terço do Senado, conforme norma legal.


De volta à apuração pela qual o presidente sabia que a conversa seria publicada, outro fato parece evidenciá-lo. No sábado, quando Bolsonaro e o senador se falaram, o jornal esportivo Lance! veiculou entrevista com Kajuru, jornalista e polemista notabilizado por coberturas futebolísticas. A reportagem cita a sinergia política dele e do governante, mencionando que o parlamentar diz ter com ele “conversas íntimas” e “respeitosas” e que “em nenhum momento vi erro grave cometido por Bolsonaro”.


Tal proximidade leva a crer em ação calculada, na qual o presidente espera retardar sua eventual responsabilização, no que lhe cabe, pela situação sanitária brasileira, pela crise econômica dela consequente e pelo estrago causado à imagem do País no exterior.


Outra razão para acreditar em combinação está na hipótese de que a CPI tenha pouco resultado. O Senado trabalha de forma remota por causa da doença. Seu presidente, Rodrigo Pacheco, ainda que não evite o inquérito, ali está como resultado do caríssimo aluguel pago pelo Planalto ao centrão. Uma das prestações está no Orçamento aprovado pelo Congresso: há mais verba para emendas parlamentares destinadas a obras do que para saúde. Se até nisso congressistas colaboram para atenuar as culpas do Governo, a CPI tende a ser inócua. Nesse ínterim, mais mortes.


Este artigo é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha editorial e ideológica do Grupo Tribuna. As empresas que formam o Grupo Tribuna não se responsabilizam e nem podem ser responsabilizadas pelos artigos publicados neste espaço.
Ver mais deste colunista
Logo A Tribuna
Newsletter