Cinema sem governo

Por: Da Redação  -  21/07/19  -  12:14
Atualizado em 21/07/19 - 12:48

Desde a ditadura militar, o governo se aventurou a patrocinar, regular e até quase exterminar o cinema. Por sorte não morreu totalmente, mas também não se tornou uma indústria pujante. Para evitar novas aventuras estatais que tomam tempo e dinheiro, e a mais recente é a decisão do presidente Jair Bolsonaro de patrocinar filmes sob “filtros”, o ideal mesmo é deixar esse setor fluir pelas próprias ventas. Senão der certo, não terá sido muito diferente do que se viu desde o final dos anos 1970, quando a produção nacional começou a definhar com salas vazias e alguns (de ótima qualidade sinal que o meio ainda respira) filmes fazendo muito sucesso, como Bruna Surfistinha. Para o presidente, fita a ser esquecida por ser pornografia, sob seu ponto de vista.


Em meio a comentários desnecessários, Bolsonaro decidiu transferir a Agência Nacional do Cinema (Ancine) do Rio de Janeiro para Brasília, cujo único efeito prático é fazer com que servidores se mudem para a capital federal, provavelmente gerando mais custos à União. De lá, estes terão que se deslocar para os grandes centros culturais do País – São Paulo e o próprio Rio.


Apesar do presidente abrir a possibilidade de privatizar ou fechar a Ancine, ele deu sinais de mais intromissão do governo nessa área, pois a agência deverá ser transformada em secretaria de algum ministério. Bolsonaro disse que implantará no cinema financiado pelo governo alguns “filtros culturais”. Teme-se o que significa isso, a começar pela convicção dele de que Bruna Surfistinha é pornografia e filme brasileiro bom retrataria “heróis nacionais”. Como não há receita pronta de sucesso e até super produções americanas muitas vezes fracassam, há chance real dessa nova Ancine virar mais um cabide de emprego público.


A preocupação de Bolsonaro é voltada ao conteúdo, mas seu discurso acaba por ter um efeito positivo inesperado. Trouxe as atenções para a fracassada política pública do cinema. Com filmes indicados ao Oscar, o produtor Luiz Carlos Barreto lembra que a medida provisória 2.228, de 2001 e nunca votada no Congresso, criou o Conselho Nacional de Cinema. Tratava-se de um órgão misto (governo e setor privado) para cuidar da presença do Estado nessa área. Com o tempo, a Ancine, que seria controlada pelo conselho, se apoderou das taxas do setor, que tiveram o embrião na ditadura e que somam R$ 1 bilhão recolhidos da telefonia, exibidores e produtores. Como não foi regulamentada, deve estar indo para o caixa geral do governo como muitos outros recolhimentos. Barreto sugere acabar com essa MP. Segundo ele, o dinheiro que patrocina um filme não vem do Tesouro e sim do investidor, que deve receber incentivo. Mas a produção fica obrigada a prestar contas ao governo, sujeitando se às orientações políticas da ocasião. Portanto, o melhor remédio para o cinema é caminhar pelas próprias pernas e não se perder em Brasília.


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