Decisão do STF rasga doutrina

Ainda torcemos e esperamos uma nova virada

Por: Sergio Pardal Freudenthal  -  16/04/24  -  05:55
A portaria já foi publicada no Diário Oficial da União
A portaria já foi publicada no Diário Oficial da União   Foto: Reprodução

Há muito tempo atrás, nos bancos escolares, aprendemos que as fontes do Direito são a lei, a doutrina e a jurisprudência. Pela ordem legal de importância, temos a Constituição Federal, as leis complementares e as leis ordinárias, que podem ser federais, estaduais ou municipais, ressaltando que decreto é apenas um instrumento regulamentador. A doutrina é representante de estudos de juristas em todo o mundo, definindo princípios, Justiça e Direito. E a jurisprudência seria uma ampla coleção de julgados; se uma andorinha só não faz verão, um julgado apenas não faria jurisprudência.


Acontece que, na busca de maior “celeridade processual”, mais “rapidez” na Justiça, inventaram a “repercussão geral” de decisões do STF. O acórdão de um recurso extraordinário em processo individual, comum, passa a valer para qualquer processo parecido e sem nenhuma chance de ser modificado; assim, um só julgado vira jurisprudência. E agora foi a vez de jogar fora princípios e doutrina. Todo mundo sabe que, nas alterações de um sistema como o previdenciário, as regras de transição existem para reduzir as perdas dos segurados que já estavam no sistema sem ter completado as exigências para benefícios. Logo, se as regras novas forem mais favoráveis ao trabalhador do que as regras de transição, estas ficam inaplicáveis.


Quando a Lei 9.876, em 1999, substituiu a base de cálculo de então, média dos 36 últimos salários, pela “média simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo”, dispôs, para quem já estava no sistema previdenciário, que a média se faria sobre os maiores salários que representassem o “período contributivo desde a competência julho de 1994”. Foi assim que surgiu o debate sobre a “média da vida toda”, quando esta for maior do que a média “desde a competência julho de 1994”.


Num primeiro julgamento, ainda na forma virtual, o STF entendeu que, entre a nova regra e a de transição, deveria ser aplicada a mais favorável. Começam então as reviravoltas com novas votações, agora presenciais, mas confirmando o julgamento. Reabriram-se debates sobre a aplicação da decisão e, como se nada no julgado valesse, decidiram que o Fator Previdenciário seria constitucional, o que sequer estava em discussão. Por tal razão, a regra de transição seria de aplicação obrigatória. Doutrina, princípios, Justiça, para quê? E muita gente comemorando com números, sem nenhuma sustentação jurídica.


É incrível como a tecnocracia planaltina segue presente em qualquer governo e continua fazendo assustadores cálculos do nada, sem qualquer base. Nem o Ministro da Previdência acredita nos números “chutados”, como se as ações da média da vida toda pudessem criar insanável déficit previdenciário. Observando a decadência e o fim da regra com a EC 103/2019, são muito poucos os aposentados que ainda teriam direito a tal revisão. Além das contribuições maiores antes de julho de 1994, o benefício deve ter sido concedido a partir de abril de 2014 e até 12 de novembro de 2019.


A bagunça está criada. Além dos poucos que ainda poderiam reclamar, existem processos tramitando e muitos terminados, com trabalhadores vitoriosos e com suas aposentadorias corrigidas. O vai-e-volta do STF foi um grave desrespeito com os segurados, baseado em valores “chutados” pela tecnocracia. Ainda torcemos e esperamos uma nova virada.


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