Tenho ido muito à farmácia

Tenho ido mais à farmácia do que ao cinema, mais do que ao teatro, bem mais do que às aulas semanais de piano

Por: Cassio Zanatta  -  18/01/24  -  06:21
  Foto: Pixabay

Mais do que a São José, mais do que descer de tobogã, sofrer na cadeira cativa da Vila, bem mais do que ser assaltado ou ir a concertos de música, tenho ido muito à farmácia.


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Tenho ido mais à farmácia do que ao cinema, mais do que ao teatro, bem mais do que às aulas semanais de piano, e não posso garantir com certeza que isso me faça sentir melhor.


Não vou a praças e parques na chuva, mas com chuva vou à farmácia. Não encontro os amigos domingo de manhã, mas à farmácia é uma boa hora de ir. Quando viajo, conheço outras pelo mundo; ao contrário das cidades, as drogarias (apenas para não repetir a palavra farmácia) não variam muito em tamanho e disposição.


Só ganham em número minhas idas constantes à livraria, à padaria, à banca do Hélio, à quitanda do bairro, ao bar e às quadras do bairro por onde caminho ao menos uma hora por dia. Tomar banho, café e andar de metrô são coisas que também faço mais do que ir à farmácia.


Queria ir mais à praia, mais a Paris, mais à casa de madrinha Rosa, mais ao Tragaluz em Tiradentes, olhar as estrelas nas noites frias, prosear com meus irmãos, passear com Beatriz no jardim, comer mais pipoca, ter mais tempo para livros e discos, mas um tempo é preciso reservar para ir à farmácia.


Bom, dava para ser pior: eu podia estar indo muito ao dentista, ao setor de achados e perdidos, à Receita Federal esclarecer algumas questões, à sala do chefe para tomar um esculacho, ao pronto-socorro 24 horas, à delegacia de homicídios. Incrível, mas há coisas mais sem graça do que ir à farmácia.


Já sou íntimo do pessoal da farmácia. Alguns me chamam pelo nome e já sabem que meu coração tem rateado, que tenho esclerose múltipla, sou diabético e celíaco – as receitas me denunciam. Sou uma boa fonte de faturamento para as farmácias.


Não vou mais à faculdade, à missa, à feira, raramente vou ao banco, não vou mais a agências e escritórios para trabalhar, nem sei onde ficam o armarinho e o alfaiate mais próximos (sobreviveram os armarinhos e alfaiates?), evito congestionamentos no horário de pico e viagens em feriados prolongados, mas à farmácia tenho que reconhecer: vou mais do que gostaria.


Pensando bem, vou sim a São José (do Rio Pardo, favor não confundir), a Tiradentes, aos jogos na Vila, a concertos, ao cinema, teatro, praças e parques, às aulas de piano, sou chegado numa pipoquinha, leio livros, ouço discos, tomo banho e café, encaro congestionamentos com paciência, e também vou de vez em quando à biblioteca Mário de Andrade (gosto de andar pelo Centro), mas, para que possa fazer essas coisas é que tenho ido muito à farmácia.


Pois olha aí: depois do almoço, vou dar um pulo na farmácia.


Credo, que crônica mais besta.


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