Ninguém na varanda

Está longe de ser uma varanda gourmet, mas tem espaço suficiente para caber um vaso, duas cadeiras e uma rede

Por: Cassio Zanatta  -  25/04/24  -  07:00
  Foto: Freepik

Adoro minha varanda. Talvez seja o lugar mais gostoso do apartamento, depois da cama e da mesa onde comemos, bebemos e nos demoramos a prosear. Está longe de ser uma varanda gourmet, mas tem espaço suficiente para caber um vaso, duas cadeiras e uma rede, de onde digito estas mal traçadas. Tem também algumas gaiolas que vivem abertas, onde os passarinhos, esculpidos em madeira pelos artesãos da Oficina de Agosto de Tiradentes, ficam do lado de fora. Só entre as três e seis horas da tarde, durante o impiedoso verão, o sol que bate a transforma num forno e impede a presença de um ser humano sensível.


Ela é útil para a gente fazer nada, ler, escutar música, chupar mexerica, tomar um cafezinho, balançar na rede (já falei da rede?), pensar na vida e até como instrumento de trabalho: dela observo a rua e adjacências, muitas crônicas nasceram dessa vagabunda observação.


Fico tanto na varanda que, de vez em quando, um amigo que mora duas quadras em frente me telefona dizendo que está me vendo da janela. Acenamos um para o outro e batemos um papo leve de tudo. Uma varanda não se presta a conversa séria.


No entanto, como todo cidadão responsável, preciso sair e bater perna por aí. E tenho reparado numa coisa: cada vez mais, os prédios nascem com varandas. As pessoas hoje em dia fazem questão de ter uma – grande, pequena, cercada de vidro ou aberta às intempéries. Só que nunca estão nelas. Podem reparar: raramente a gente vê alguém numa varanda. É como se diz na minha terra: Deus dá rapadura a quem não tem dente.


Se eu morasse na quadra da praia, e tivesse uma varanda que desse para o mar, nem que fosse uma nesguinha de mar onde só desse para ver algumas ondas e um barco a vela branco mais ao fundo, acho que não sairia da varanda por nada. Cortaria o cabelo na varanda. Telefonaria para madrinha Rosa da varanda. Faria o Imposto de Renda na varanda. Treinaria embaixadinhas na – bom, você entendeu.


Há alguns anos, algo extraordinário aconteceu: minha mulher tirou um peixe congelado do freezer e o colocou numa bandeja na varanda, para que o sol ajudasse a derreter todo o gelo que o envolvia. Para quê: um casal de gaviões lindos, enormes, avistou a bandeja lá do alto e veio pousar do lado de fora, tentando bicar a comida. Felizmente, havia um vidro que os separava. Aliás, felizmente seria mesmo se não houvesse vidro e eles tivessem levado o peixe: uma visita dessa é um espanto, quase milagre.


Vejo um avião passar, sinto uma pontada no dente, noto chegar algumas nuvens mal-intencionadas, ouço as crianças batendo bola na quadra do prédio ao lado, três buzinas me chamam a atenção para a rua, um moço levando oito cachorros para passear desvia meu interesse, e ainda recebo no celular uma má notícia. As coisas boas e ruins da vida chegam à varanda. Por que os homens não?


Por isso, você, o privilegiado, o sortudo que tem uma varanda em casa, ampla ou minúscula, aproveite. Não a deixe na mais desamparada solidão. Esteja nela mais frequentemente, aproveite, justifique sua existência. Contemple a vida do alto, como se fosse um deusinho a checar se tudo vai bem no mundo. Mesmo que, você sabe, nem tudo vá bem no mundo.


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