Eles não sabem o que os espera

Eles não têm a mínima noção do que os espera. E pra que esperar, se a vida é agora e, no momento, são tão felizes?

Por: Cassio Zanatta  -  07/12/23  -  08:10
  Foto: Imagem ilustrativa/Pixabay

Esse casal se beijando no banco da praça. Os dois sentados meio torto, no desajeito mais certo, um virado para o outro. Ele a enlaça com ternura em seus braços fortes. Ela olha bem dentro dos olhos dele, só para aquele interior, mais nada, não existe outra coisa no universo em volta. Esses dois não fazem a menor ideia do que os espera.


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Nem imaginam que ficarão mais quarenta minutos nesse banco, e que por eles passarão pessoas, pois praças também foram feitas para a gente passear. Algumas vão sorrir, outras, nem percebê-los, os preocupados. Entre as que sorrirão, algumas vão se lembrar de que um dia também fizeram isso, para então reparar em como a tarde está limpa. Alguns pombos vão se aproximar do banco, esperando que o casal jogue um punhado de milho ou um naco de pão. Mas serão ignorados, os dois estão muito concentrados em outra coisa.


Ah, esses namorados não sabem o que os espera: que, ao se levantarem do banco, irão a uma sorveteria a três quadras dali, onde haverá outro banco (menos confortável, mas isso não importa) para eles continuarem a se beijar, com a diferença de que as línguas estarão geladas e com gosto de creme e chocolate. E que voltarão pra casa caminhando, de mãos dadas, e isso anda tão fora de moda.


Esses dois nem imaginam que terão pela frente uma noite pessimamente dormida: os dois enlaçados, entregues ao amor, se virando e revirando a sussurrar coisas bonitas.


Alguns (poucos, espero) devem pensar que esse casal não faz ideia do que o espera: uma imensa decepção, uma traição indesculpável, brigas e um nunca mais se ver. Mas esse é um pensamento ruim que existe na cabeça de quem o criou, nada na cena faz supor isso. Outros ainda preferem apostar que, mesmo que o amor dure, um dia eles ficarão velhos e poderá haver uma doença, dias tristes de dor e desalento. É possível que seja assim, mas também pode não acontecer. Os dois podem permanecer nesse banco, exatamente como estão, por exemplo, mais 72 anos e 8 meses, e só aí irão se desvencilhar, cada um tombando para um lado, assustando os pombos que ainda insistirem.


Eles não têm a mínima noção do que os espera. E pra que esperar, se a vida é agora e, no momento, são tão felizes?


Já eu, sei bem o que espero: que esses dois ainda estejam abraçados amanhã de manhã, de noite, semana que vem, daqui a seis anos, em agosto de 2051, num calor dos diabos ou debaixo de um dilúvio bíblico, na vinda do próximo cometa, quando a guerra acabar, quando outra começar, quando inventarem um nome melhor para as mitocôndrias, quando nascerem três luas (uma roxa), em plena festa do hexa, durante a praga de gafanhotos, na invasão dos venusianos, quando o bispo dançar macarena na procissão, no lançamento de um novo aparelho de barbear com cinco lâminas paralelas, ao ser anunciado o primeiro Nobel brasileiro, depois da tão esperada invenção do carro voador, no dia em que nevar em Santos, e que eles não se desvencilhem nem com a descida dos anjos tocando trombetas. Esses dois não sabem o que os espera. E isso é bom.


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