Resolveu fazer uma teia do lado de fora da casa. Escolheu mal o lugar: bem na porta de entrada, onde tem sempre alguém passando e reparando nela. Em como é grande, em como é eficiente em assustar. E a cada vez, esse alguém pensa em sumir com aquele bicho dali.
De pouquíssima popularidade goza a aranha. Se dependesse das mulheres da casa, ela já estaria no inferno reservado aos bichos repulsivos e odiados. Os meninos foram os que mais a defenderam. No máximo, aceitaram que a tirássemos dali com vida, devolvendo-a ao jardim. A ala feminina era mais favorável à vassoura ou ao inseticida. Mas como ela ficava parada, quietinha, devendo dar seu passeio só de noite, resolvemos deixá-la em paz.
Juscelino, amigo da família há anos e muito mais sabedor dessas coisas que a gente, ficou estudando a teia alguns minutos, e informou à família que ela fora feita para abrigar uma nova prole. Quer dizer que a aranha em questão vai ser mãe, vejam como é a vida: em vez de nos alegrarmos por nossa casa ter sido alçada à nobre condição de maternidade, não: a ideia da multiplicação de aranhinhas apenas reacendeu o desejo de exterminar a pobre o quanto antes. Entendo pouco esse sentimento que as pessoas têm de matar algum bicho porque as assustam ou insistem em existir. Assim vão sumindo os sapos, lagartixas, abelhas e boas cachaças – que não são bichos, mas despertam igualmente nas mulheres instintos de sumiço e destruição. Justo elas, que tanto sabem gerar e acolher a vida.
Tentamos argumentar que as aranhas matam moscas, marimbondos, baratas e pernilongos; dizem que o fio da teia é o material mais resistente já produzido pela natureza. Mas argumentos pouco podem contra medos e fobias. E as horas, decisivas entre o procriar e o morrer, correm entre o debate.
No entanto, ela continua a não se mover. Os homens, esses que se julgam Senhores do Universo, que decidam se ela deve viver e conceber a vida, ou simplesmente ser exterminada.
Mas eis que outro personagem entra na história, por alguns segundos: uma muriçoca voa desavisada, até encontrar a teia e nela se emaranhar. Num salto, é capturada pela aranha. Não sobreviverá. Pois eis o motivo de ela ter feito a teia na entrada de casa: a luz fica acesa de noite, atraindo com sua luz e calor os insetos que cairão em sua teia. Bobo é ovo que não para de pé.
Enfim: não matei a aranha nem deixei que alguém o fizesse. Lá está ela no seu canto, observando a estranha (e questionável) superioridade humana. Não creio que fiz um grande bem ou salvarei o mundo – vejam, por exemplo, que nada pude fazer a favor da muriçoca.
Talvez assim decidi porque está chegando o Natal, tempo de perdão e de amar até quem a gente não gosta muito. Talvez devesse ser o real assunto desta crônica, mas não foi. Desculpem-me, cristãos, manjedouras, famílias em volta da ceia, rabanadas e muriçocas.
As teias que me envolvem são muito complexas.