Cassio Zanatta: Então o ano novo era isso?

Gastei uma grana em espumante, preparei playlist de primeira e fiquei quatro horas num congestionamento para descer

Por: Cassio Zanatta  -  29/02/24  -  06:18
  Foto: Silvio Luiz/AT

Gastei uma grana em espumante, preparei uma playlist de primeira, fiquei quatro horas num congestionamento para descer para a praia, comprei uma bermuda branca porque na gaveta só havia uma camiseta da cor e, ao menos nesses dois meses, o ano novo pouco trouxe de novo.


Fiz barba no capricho, tomei o segundo banho do dia antes da festa, passei perfume – eu, que durante o ano não me perfumo – vesti a bermuda nova, entrei no coro da contagem regressiva para a virada, abracei e beijei quem amava e também quem não gostava tanto assim – tudo em nome de um maior entendimento entre os homens – e os boletos continuam a chegar tal e qual no ano passado.


Esperei a banda passar cantando coisas de amor e o sol dar as caras, mas o que aconteceu foi uma garoinha coisa triste que, juntamente com o cachorro do vizinho que não parava de latir um segundo (não sei onde ele acha tempo para respirar) fizeram murchar toda a esperança. Mas não sejamos de todo ingratos: a garoa desfez a aglomeração na rua, que já atacava um funk que prometia entrar para a primeira madrugada do ano.


As notícias de agora parecem ser as mesmas de dezembro. As guerras seguem seu curso. Tempestades cobrindo carros e casas. Os desencontros seguem convictos. O carro da pamonha abreviou minha sesta. O Santos caiu mesmo para a Série B, não era um pesadelo de fim de ano. A resistência do chuveiro não é forte como a dos homens e pifou.


Os anos não deviam agir como prolongamentos. Isso nos desanima.


Mas, de repente, eis que os flamboyants da rua estouraram de flores – um espetáculo menos breve e bem menos barulhento do que os fogos. O amolador passou devagar de bicicleta, soprando o apito que já estava na meninice. As crianças passam aos empurrões pela calçada, levando novas infâncias para a praia. A safra de mangas está divina. Então a gente se dá conta de que é bom que certas coisas sigam iguais.


Os fogos silenciaram, a ressaca passou, não pulamos sete ondas, comemos por semanas o que restou da ceia.


Calma, ainda temos um ano pela frente. Há muito tranco e sorvete, suor e gozo, dias pretos na folhinha, alguns enganos e caipirinhas à nossa espera. Como os homens na volta ao trabalho, o ano demora a pegar.


E se o ano não for essa coisa toda, a culpa não é dele, é de nossas expectativas exageradas. Quem mandou sonhar, misturar espumante, uísque e cerveja, dançar umas músicas que você nem gosta e achar que algumas folhinhas de louro na carteira iriam trazer sorte e fortuna?


Enfim, o ano novo não era essa redenção toda. E, no fundo, é bom que assim seja.


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