Santos caminha para compor o circuito turístico e cultural de cidades portuárias do Brasil e do exterior que se tornaram referência em projetos de revitalização de áreas degradadas de cais com o Parque Valongo, que prevê a revitalização das áreas dos armazéns portuários 4, 5 e 6. No entanto, para o projeto ser bem-sucedido e inclusivo, especialistas ouvidos por A Tribuna dizem que é necessário um olhar que vá além do potencial econômico e seja voltado também à população de baixa renda residente na região central do Município.
A pedido da Reportagem, eles analisaram como o Parque Valongo pode se tornar um grande equipamento indutor de desenvolvimento na Baixada Santista sem repetir os erros cometidos no Porto Maravilha, no Rio de Janeiro; Puerto Madero, em Buenos Aires, Argentina; e Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha.
O professor de Engenharia e Arquitetura da Esamc, Alessandro Lopes, que é arquiteto, mestre em Direito Ambiental e especialista em Cidades Inteligentes, observou pontos negativos do Porto Maravilha que podem ser evitados no Parque Valongo. “O único cuidado é como contemplar a questão do patrimônio cultural e cuidar dos moradores de baixa renda do Centro. Isso à parte, o equipamento pode representar um marco de mudança”.
Lopes explicou que a maioria dos projetos elaborados no mundo para transformar áreas portuárias degradadas em polos turístico e cultural tem como objetivo criar um agente condutor do desenvolvimento econômico. “Isso, na academia, é chamado de Efeito Bilbao. Quando fizeram o Museu Guggenheim, na Espanha, foi em cima dessa ideia. Mas, o problema que ocorreu lá se repetiu em todas as cidades portuárias que seguiram o mesmo princípio. Todas cometeram o mesmo equívoco da gentrificação”.
O fenômeno também ocorreu em Puerto Madero, na Argentina. Para exemplificar, o professor explica um gargalo notado no Porto Maravilha, primeiro projeto do gênero no Brasil. "Não houve cuidado com a gentrificação, que é um processo de transformação urbana que ‘expulsa’ moradores de bairros periféricos e transforma essas regiões em áreas nobres. A especulação imobiliária, o aumento do turismo e as obras governamentais são responsáveis por esse fenômeno”.
O especialista reiterou que o projeto urbanístico precisa considerar essa população. “É isso que acontece com o urbanismo quando ele não é feito com os devidos cuidados. E esse é um dos grandes problemas do Rio de Janeiro. O projeto foi feito pensando no empresariado e não se atentou às pessoas que já moravam na região. Até a questão do patrimônio histórico é questionada no Rio”.
Ponderações
A Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), que administra o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, informou em nota que o projeto foi criado “visando a recuperação da infraestrutura urbana, dos transportes, do meio ambiente e dos patrimônios histórico e cultural da região portuária. As grandes obras foram finalizadas em 2016, a tempo dos Jogos Olímpicos. Durante a Olimpíada, o porto chegou a receber cerca de 1 milhão de pessoas por dia”.
De acordo com a CCPar, atualmente, o Porto Maravilha recebe, em média, 500 mil visitantes por mês, considerando a movimentação de museus e equipamentos culturais da região. “Em relação à temporada de cruzeiros, o Porto do Rio recebeu 410.063 passageiros no último período”. A CCPar informou ainda que a “operação urbana foi um investimento do Município via parceria público-privada para obras de requalificação de toda a região em volta do Porto do Rio”.
Premissa
Na cerimônia de cessão dos armazéns 4, 5 e 6 à Prefeitura de Santos para o Parque Valongo, no último dia 2, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, e o presidente da Autoridade Portuária de Santos (APS), Anderson Pomini, destacaram a necessidade de uma nova relação entre Porto e Cidade como premissa do projeto. "O porto permanecerá público, servindo à sociedade brasileira, e agora com um espaço bonito e turístico para as pessoas desfrutarem", disse França.
Expectativa em Santos
Sobre o projeto santista Parque Valongo, que tem prazo estimado de entrega para julho de 2024, o presidente da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos (Clia Brasil), Marco Ferraz, destaca que o interesse dos setores público e privado na proposta é muito positivo.
“Todos que têm que apoiar estão abraçando o projeto. O Município, o Porto de Santos, os armadores, o Governo Federal, o Ministério de Portos e Aeroportos e o Governo do Estado”.
Ferraz frisa o potencial de Santos para abrigar o equipamento. “Santos tem tudo para contar com uma região revitalizada, com boa frequência. Agora, é acompanhar de perto para que isso aconteça. São obras que têm que começar, pois não terminam rápido. A gente precisa estar acompanhando e ajudando politicamente, junto com os nossos associados, para que isso seja rápido”.
O presidente da Clia Brasil diz que uma eventual transferência do Terminal de Passageiros para o Valongo dará aos cruzeiristas mais opções de passeios e lazer no Centro Histórico. Ele ressalta que a definição do prazo de entrega da obra é relevante para o setor.
“É importante que a gente tenha uma data, um cronograma. As companhias de navios de cruzeiros planejam as temporadas com dois anos de antecedência. A gente sabendo que, por exemplo, daqui a três anos teremos isso pronto, as companhias poderão se programar melhor”.
Impacto positivo
Para o presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), Doreni Caramori Júnior, “iniciativas como o Parque Valongo promovem um impacto positivo nas 52 atividades econômicas do nosso hub, como operadores turísticos, bares e restaurantes, serviços gerais, segurança privada, hospedagem etc. Somos responsáveis por 4,32% do PIB nacional e com movimentação anual de R$ 270 bilhões. O setor de eventos realiza mais de 590 mil atividades por ano em todo o País”.
Ainda de acordo com Doreni, o setor de eventos movimenta anualmente R$ 4,65 bilhões em impostos federais, R$ 75,4 bilhões em consumo e R$ 2,97 bilhões em massa salarial. "Enquanto, em 2019, o estoque de empregos, que representa a quantidade de pessoas com carteira assinada, no hub setorial era de 3,449 milhões, neste ano chegou a 3,546 milhões, um crescimento de 2,8%, mesmo com toda a crise que enfrentamos”.
Audiência pública
A Prefeitura de Santos informou que a primeira audiência pública sobre o projeto está prevista para ocorrer no próximo dia 31, às 19h, na Associação de Engenheiros e Arquitetos de Santos (Rua Dr. Artur Porchat de Assis, 47, no Boqueirão). Outras informações sobre a audiência serão divulgadas em breve, segundo a Administração Municipal.
A intenção da Prefeitura é que o Parque Valongo seja entregue em julho de 2024, segundo informou o prefeito de Santos, Rogério Santos (PSDB), no último dia 2. Na ocasião, a APS e a Administração Municipal assinaram o contrato de cessão de uso gratuito da área entre os armazéns 5 e 6, que não existem mais, onde haverá uma área aberta com vista para o mar.
O projeto já tem R$ 15 milhões garantidos, de uma empresa privada internacional. Outros R$ 20 milhões serão repassados pelo Governo Federal.