Mulheres na operação em Santos e outros portos: escolha, competência e realização

Trabalhadoras dos setores de operação e navegação falam sobre conquistas e planos para a carreira

Por: Bárbara Farias  -  08/03/23  -  07:26
Encarregada de operações ferroviárias no Grupo Cesari, Elaine Lopes coordena a logística de transporte de 120 mil contêineres e 100 mil toneladas de fertilizantes por mês, entre o Porto de Santos e Rondonópolis (MT)
Encarregada de operações ferroviárias no Grupo Cesari, Elaine Lopes coordena a logística de transporte de 120 mil contêineres e 100 mil toneladas de fertilizantes por mês, entre o Porto de Santos e Rondonópolis (MT)   Foto: Douglas Aby Saber/Grupo Cesari

Por trás dos sucessivos recordes de movimentação de cargas no setor portuário brasileiro, há milhares de trabalhadores que movimentam essas riquezas, incluindo mulheres que se destacam nos setores de operação e navegação, por muito tempo dominados pelos homens. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, A Tribuna traz os depoimentos de profissionais que, seja em Santos ou em outros portos, planejam rotas cada vez mais longas para a carreira e ressaltam o orgulho por quebrar barreiras.


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Apaixonada por máquinas e equipamentos, a operadora de RTG da DP World Santos, Carla Santana, de 37 anos, decidiu migrar de carreira há alguns anos. Investiu em cursos técnicos de vistoria de contêineres e de operação de RTG e empilhadeiras, e concluiu a graduação em Logística. Preparada, ela foi em busca de seu sonho. Começou operando empilhadeiras de pequeno, médio e grande portes e, atualmente, é uma das três operadoras de RTG da empresa.


“RTG é um equipamento utilizado para organizar os contêineres no pátio do terminal, que transporta um contêiner de um lugar para outro”, explicou Carla, entusiasmada ao falar sobre o seu ofício. Movida a desafios, ela quer operar portêiner no Porto de Santos. “Pretendo, um dia, operar QC, um equipamento que transporta o contêiner do pátio do terminal para dentro do navio”.


Mãe de Apollo, de 9 anos, ela ressalta que um aspecto positivo da profissão é poder conciliar o trabalho no terminal com a atenção ao filho. “Trabalhamos em turnos com três horários diferentes: das 7h às 15h, das 15h às 23h e das 23h às 7h. Em seis dias faço o turno da manhã, folgo dois dias e no próximo turno entro à tarde. Na outra semana, faço a madrugada e assim por diante. São horários flexíveis e, assim, passo mais tempo com o meu filho, vou às reuniões da escola e passeio com ele”.


Em relação aos seus colegas homens, Carla afirmou que há muito respeito entre todos e disse que espera inspirar outras mulheres a ingressarem na profissão. Atualmente, a DP World possui 219 mulheres no seu quadro funcional e registrou um aumento de 10% da presença feminina no setor operacional em relação ao início do ano passado.


Carla Santana é uma das três mulheres operadoras de RTG da DP World Santos. Apaixonada por máquinas e equipamento, ela quer operar portêiner
Carla Santana é uma das três mulheres operadoras de RTG da DP World Santos. Apaixonada por máquinas e equipamento, ela quer operar portêiner   Foto: Divulgação

Nos trilhos


Um acaso do destino levou a encarregada de operações ferroviárias do Grupo Cesari, Elaine Lopes, de 45 anos, para as atividades operacionais da empresa, um ambiente majoritariamente masculino. Elaine trabalhava no setor de expedição da empresa, em Cubatão, quando a greve dos caminhoneiros foi deflagrada, em 2018. A paralisação, que gerou um caos logístico no País, mudaria sua vida profissional.


Segundo Elaine, em um dos dias da greve, os manobradores da Cesari não conseguiram chegar no terminal a tempo de operar um trem que estava programado, pois o ônibus em que estavam ficou parado no bloqueio dos manifestantes. Ela acabou assumindo a responsabilidade. “Eu não esperava. Consegui chegar na Cesari, apesar do trânsito, e meu supervisor me ligou. Eu recebi o trem e, desde então, me apaixonei pela ferrovia”.


A experiência inédita e bem sucedida foi determinante para a sua mudança do setor administrativo para o de operações ferroviárias. “Tenho 12 anos de casa (Cesari) e já rodei vários setores porque sou muito inquieta. Na época da greve, trabalhava no setor de balança ferroviária, onde pesava os vagões. Resolvi ir para logística quando fui até a área e fiquei encantada pelo trabalho bruto. Depois disso, comecei a estudar sobre ferrovias”.


Foi como manobradora que ela ingressou nas operações ferroviárias. Atualmente, Elaine coordena uma equipe de manobra e via permanente (manutenção dos trilhos) formada integralmente por homens e tem como missão lidar com três operações simultâneas, que movimentam 120 mil contêineres e 100 mil toneladas de fertilizantes por mês entre o Porto de Santos e Rondonópolis (MT).


“Eu sou encarregada das entradas e saídas de trens, programo toda a logística de circulação tanto externa quanto de movimentação dentro de pátio. Hoje, temos três linhas, de 6.136 metros, e atendemos três operações (cada trem é uma operação) simultaneamente”.


No mar


O desafio de manobrar navios e o amor pelo mar levaram Débora Queiroz Gadêlha de Barros a se tornar prática. Atuando no Porto de Rio Grande (RS), ela é uma das sete primeiras mulheres a ingressar na Praticagem do Brasil. Hoje, 616 práticos atuam nos portos brasileiros, conduzindo navios em segurança na entrada e na saída dos portos, tanto durante a sua navegação no canal de acesso quanto na atracação e desatracação. Quatorze são mulheres.


A história de Debora no mundo portuário começou em 2008, quando foi aprovada no processo seletivo para praticante de prático. Em 2010, ela foi habilitada como prático em Rio Grande, após passar pelo programa de qualificação e no exame de habilitação a bordo. Contudo, o seu horizonte profissional é ilimitado. Além de exercer a sua profissão, Debora está cursando doutorado em Oceanologia.


“O que mais me fez admirar o trabalho da praticagem é o desafio. Não há espaço para monotonia. Todos os dias são diferentes, você aprende e evolui. Como pessoa, é estimulante esse aprendizado. Apesar de manobrar sempre no mesmo porto, a cada dia os navios e as condições ambientais, como ventos e correntes, são diferentes. Temos que desenvolver novas técnicas para solucionar os desafios das manobras. Aprendemos em todos os sentidos”.


Fascinada pela profissão, Débora contou as particularidades do trabalho que a estimulam diariamente. “Adoro o meu ambiente de trabalho. Meu escritório é o mar. Nosso trabalho está disponível 24h e há dias em que somos chamados no meio da madrugada para manobrar. Mas, depois, somos brindados com um belo amanhecer no horizonte. Em muitos trabalhos, o resultado de um projeto demora a aparecer. No nosso caso, o resultado é imediato. Naquele momento da manobra, você está imerso, 100% concentrado”.


“Quando acaba a manobra, o resultado está ali, o navio atracado em segurança e o comandante satisfeito. É fascinante”, afirma Débora Queiroz, prática no Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul
“Quando acaba a manobra, o resultado está ali, o navio atracado em segurança e o comandante satisfeito. É fascinante”, afirma Débora Queiroz, prática no Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul   Foto: Divulgação

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