Milton Lourenço: O preço de um calote

Nesta coluna, o empresário e agente de carga de logística fala sobre as consequências de empréstimos feitos pelo Brasil

Por: Milton Lourenço  -  27/01/19  -  00:20

Como era de se esperar, o governo de Cuba pagou apenas parcialmente o empréstimo que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) lhe fez, em 2008, para financiar a construção de um terminal no porto de Mariel. Segundo a Agência France-Presse, o governo cubano pagou apenas US$ 2 milhões de uma parcela de US$ 8 milhões de financiamentos contraídos com o BNDES e com o Programa de Exportação (Proex) do governo federal.


Dessa maneira, ao deixar de receber US$ 6 milhões – cerca de R$ 23 milhões, na cotação atual – da parcela que deveria ter sido quitada em junho de 2018, o BNDES, passados mais de 180 dias, formalizou o calote e acionou o Fundo de Garantia à Exportação. Ou seja: será o Tesouro Nacional – em outras palavras, a sociedade brasileira – quem terá de pagar pela irresponsabilidade do governo que optou por investir na construção de um terminal portuário em Cuba.


Na época, o governo Lula, dentro de sua política de aproximação com países latino-americanos, africanos e do Hemisfério Sul, a chamada estratégia de cooperação Sul-Sul, fez o empréstimo para a empreiteira Norberto Odebrecht ampliar e modernizar o porto de Mariel, praticamente sem contrapartida para a economia brasileira, já que não foram poucas as empresas nacionais que desistiram de participar de negócios ou investir naquele complexo portuário.


Além do aspecto ideológico, não se sabe de nenhuma outra razão factível que tenha levado o governo brasileiro a fazer aquele empréstimo, exatamente num setor em que o Brasil carece de muitos investimentos. Basta lembrar que o Porto de Santos, responsável pela movimentação de 27% do comércio exterior brasileiro, continua a operar com um calado inferior a 14 metros, o que impede a atracação de chamados navios post-Panamax.


Provavelmente esses recursos teriam sido suficientes, pelo menos, para construir ou dar início à construção de uma plataforma off shore (fora da praia) no Porto de Santos, o que permitiria a execução dos serviços de carga e descarga naqueles navios de última geração. E evitaria que milhões de reais continuem a ser gastos todos os anos em serviços de desassoreamento do canal de navegação.


É de se imaginar também que a aplicação daqueles recursos teriam tido um objetivo mais justo e produtivo se tivessem sido usados para reaparelhar e modernizar outros portos brasileiros, como o de Suape, em Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, o principal do Nordeste, que, infelizmente, tem hoje uma capacidade que equivale a apenas 70% do que dispõe o porto cubano de Mariel.


Mas não é só. Sabe-se que, todos os anos, o Brasil deixa de arrecadar mais impostos por não dispor de uma infraestrutura logística que permita o amplo escoamento de suas safras agrícolas, especialmente a de soja. Sem contar os prejuízos que são causados por estradas esburacadas ou mesmo ainda sem asfalto e totalmente enlameadas no período das chuvas na região Norte.


E que, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o chamado custo Brasil – infraestrutura logística deficiente, alta carga tributária, juros altos, pesados encargos sociais e excesso de burocracia – faz com que os preços dos produtos da indústria de transformação fiquem até 30% mais caros do que os fabricados em outros países, impossibilitando a sua colocação no mercado externo.


O pior é que o BNDES não investiu recursos públicos apenas em Cuba, mas em obras de infraestrutura de outros quinze países, como se o Brasil não tivesse mais necessidade de ampliar os seus sistemas rodoviário, ferroviário, hidroviário e de cabotagem. E seus portos e aeroportos funcionassem às mil maravilhas.


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