Entrevista: Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia

“Brasil é o grande líder de exportação de açúcar no mundo”, diz especialista do setor

Por: Anderson Firmino  -  05/05/24  -  11:52
Evandro Gussi esteve no Grupo Tribuna
Evandro Gussi esteve no Grupo Tribuna   Foto: Vanessa Rodrigues/AT

A busca por fontes limpas de energia é uma prioridade global. Nesse contexto, o etanol, oriundo da cana-de-açúcar, ganha importante destaque. De acordo com a Unicadata, foram exportados, nos últimos 12 meses, 2,47 bilhões de litros, cujos principais destinos foram Coreia do Sul, Holanda, Estados Unidos e Filipinas. O açúcar também mostrou sua força no mercado, registrando 31,4 milhões de toneladas, principalmente para China, Índia, Indonésia, Arábia Saudita e Argélia. Para o trabalho de estímulo à produção de matrizes como o biometano, existe a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), presidida por Evandro Gussi, que esteve no Grupo Tribuna.


Como analisa a necessidade de combustíveis não-poluentes?


Há uma grande demanda pela chamada bioenergia sustentável, na forma de etanol, de biometano, de bioeletricidade. Sem desmatamento, sem competir com alimento e que tenha baixa emissão de CO2. O mundo, em virtude do combate sistemático ao aquecimento global e às mudanças climáticas, tem uma grande expectativa e necessidade desse tipo de bioenergia. O Brasil tem uma experiência de mais de 40 anos fazendo isso com muita eficiência.


Tramita no Senado o Projeto de Lei do chamado Combustível do Futuro. Como analisa?


O Projeto de Lei (PL) que institui o programa Combustível do Futuro põe o Brasil na vanguarda da sustentabilidade. Primeiro que ele institui a chamada “avaliação de ciclos de vida”, para você medir as emissões de CO2. Porque, quando a gente vai medir a emissão de gás carbônico, não podemos medir apenas do veículo. Temos que medir em todo o ciclo de vida, desde a produção, de qual energia ele está usando – se é etanol, eletricidade ou gasolina. Como são as emissões dessa energia? Por fim, depois, toda parte, inclusive de descarte. Então, o PL começa a fazer avaliação do ciclo de vida. Em segundo lugar, ele aumenta o percentual de etanol na gasolina, para melhorar a performance da gasolina. Mas o mais importante desse projeto é criar uma política para o biometano. Ele é o gás que surge da digestão de matéria orgânica. O setor sucroenergético deve ser responsável por 50, 60% da produção de biogás, de biometano, no Brasil.


De que forma a tecnologia ajuda no desenvolvimento do setor?


A atividade agrícola é uma indústria a céu aberto. Tem o mesmo nível tecnológico e de monitoramento que tem dentro da indústria. O setor se desenvolveu demais. Décadas atrás, a gente falava de corte manual de cana de açúcar, tinha que queimar a palha antes de colher. Hoje, tudo isso é feito a partir de máquinas, num processo mecanizado. Havia a figura dos cortadores de cana nos grandes canaviais. Hoje, o sujeito usa uma máquina ultratecnológica, toda digitalizada. A cana é colhida sem nenhum tipo de queima.


O etanol de milho também tem uma importante presença no mercado?


Entre 18% e 20% do etanol do Brasil vêm do milho. As características do etanol de milho produzido no Brasil são muito diferentes do etanol de milho produzido nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, 100% do milho que a gente usa para fazer o etanol é um milho de segunda safra, que chamavam de safrinha. A safra da soja começa em outubro/novembro e vai até março/abril. Ali, já e plantado o milho, que vai ser colhido em junho/julho. Você tem um aproveitamento de defensivos agrícolas, fertilizantes etc. da safra de soja, junto do milho. O etanol nos Estados Unidos não tem isso: é uma safra só. Além disso, você tem uma questão com a energia elétrica de novo, que é gerada para fábrica. Nos Estados Unidos, eles usam gás natural, o grid americano, que tem bastante funcionamento fóssil. Então, a gente tem, efetivamente, um nível de emissão de carbono, no etanol de milho, muito parecido com a cana e muito diferente do milho americano.


Em termos de exportação, o açúcar tem um bom desempenho na movimentação do Porto de Santos, por exemplo. Como a Unica enxerga esse cenário?


O Brasil é o grande líder de exportação de açúcar no mundo, e Santos é uma passagem obrigatória. Somos uma potência nesse aspecto, um dos produtos mais importantes do nosso portfólio de exportação. E o etanol brasileiro tem uma tendência de cada vez mais ser exportado, por ser considerado como o de menor intensidade de carbono, ou seja, o menor nível de emissões pela energia que gera. Usamos gramas de CO2 /megajoule. Em virtude desse baixo nível de emissão do etanol brasileiro, tem uma perspectiva muito promissora de exportação, tanto para o etanol em si, como para combustível de aviação.


Quais são os principais países que mostram essa disposição em comprar nosso etanol e nosso combustível de aviação?


O Japão tem demonstrado profundo interesse no etanol brasileiro. Mas, de toda forma, todos os países vão precisar reduzir essas emissões, vão precisar de combustível sustentável de aviação, e o Brasil é um lugar onde a gente tem etanol certificado, conhecido e com logística adequada.


É uma boa oportunidade de mercado?


Etanol é bom para o carro, para o consumidor, que tem economizado. Porque o brasileiro pode escolher entre etanol e gasolina, e esse poder de escolha permite que o brasileiro economize. Mas, ao mesmo tempo, com redução de emissões. O mundo que pensa “ou vai ter um ganho financeiro, ou ambiental” ficou para trás. O mundo é do “e”. Gera emprego, renda, divisas para o País e, ao mesmo tempo, processos de descarbonização.


Gostaria que o senhor elencasse algumas ações da Unica, que estão no horizonte próximo.


Temos mais de 100 empresas associadas a nós. Uma das grandes ações tem sido o Etanol Talks. Temos ido a muitos países mostrar esse exemplo brasileiro e como ele pode ser replicado em outros países. E, nacionalmente, temos construído um processo muito grande de esclarecimento para a opinião pública em relação a todos os benefícios do etanol. Façamos uma reflexão sobre alguns mitos: o mito de que a gente tem que fazer um rodízio entre etanol e gasolina, isso não é verdadeiro. As montadoras dão garantias para você usar 100% etanol, por exemplo. Que o etanol tem menos potência também não é verdade. Na bomba, a diferença de preço depende de lugar para lugar. Mas é o suficiente para comprar uma pizza no final de semana.


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