Do Brasil ao Chile, a rota bioceânica

Governo inicia obras no Mato Grosso do Sul; megaestrada tem potencial para escoar produção brasileira pelo Pacífico

Por: Bárbara Farias  -  26/04/24  -  08:32
Construção da ponte sobre o Rio Paraguai, na fronteira entre Porto Murtinho (Brasil) e Carmelo Peralta: a estrutura terá 1.294 metros de comprimento e 29 metros de altura
Construção da ponte sobre o Rio Paraguai, na fronteira entre Porto Murtinho (Brasil) e Carmelo Peralta: a estrutura terá 1.294 metros de comprimento e 29 metros de altura   Foto: Divulgação/Governo do Estado do MS

Potencial corredor de escoamento de grãos do Centro-Oeste do Brasil até o Oceano Pacífico, passando por Paraguai, Argentina e chegando no Chile, a fatia brasileira da rota bioceânica rodoviária está ganhando forma. A recuperação de 104 quilômetros da BR-267, no Estado de Mato Grosso do Sul (MS), já foi iniciada e o acesso à terceira ponte internacional entre o Brasil e o Paraguai está em fase de projeto. São as duas primeiras obras do pacote de infraestrutura da megaestrada até o Chile.


Para especialistas ouvidos por A Tribuna, a rota internacional poderá representar uma alternativa logística à saída de mercadorias do Brasil com destino à Ásia a longo prazo, sem concorrer com o Porto de Santos. Porém, os maiores desafios serão a insegurança jurídica, regulatória e de cooperação entre os países envolvidos.


Contempladas no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as duas primeiras obras foram licitadas por Regime Diferenciado de Contratação Integrada, segundo informou o Ministério dos Transportes, em nota.


De acordo com a pasta, “a restauração da BR-267 está em fase de serviços de supressão vegetal e limpeza e drenagem. A obra tem prazo de 720 dias, com previsão de entrega em setembro de 2025. Já a construção do acesso à ponte de integração está em fase de elaboração de projeto. O prazo previsto é de 26 meses, com entrega em abril de 2026”.


O Governo Federal informou também que “estão previstas a restauração de mais dois lotes na BR-267, um de Alto Caracol a Jardim e outro de Jardim a Rio Brilhante”, em Mato Grosso do Sul.


Para o acesso à ponte da Integração Brasil-Paraguai, serão construídos 13,1 quilômetros na BR-267, além de um centro aduaneiro de controle de fronteira, no município de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, que faz fronteira com Carmelo Peralta, no Paraguai.


Com investimento de R$ 472 milhões, a obra do PAC integra a rota bioceânica que ligará o Centro-Oeste brasileiro ao Paraguai e à Argentina, até chegar aos portos de Iquique e Antofagasta, no Chile.


“Conforme é notoriamente sabido, a economia do Centro-Oeste assenta-se, em grande medida, em um moderno e pujante agronegócio. Por conta de sua importância, esse setor requer uma atenção especial nas vias de escoamento da produção, de modo a conectar as áreas produtivas aos mercados consumidores, internos e externos, com a maior efetividade e o menor custo possível, fornecendo uma vantagem comparativa no competitivo cenário internacional de commodities agrícolas”, avalia o Ministério dos Transportes.


Porto de Santos
Para a pasta, a nova rota rumo ao Oceano Pacífico desafogará o volume de carga escoado via Porto de Santos.


“A conexão representa um importante fator de competitividade, na medida em que reduz as distâncias e os tempos de escoamento, ao mesmo tempo em que diminui a pressão pelos serviços portuários dos portos atlânticos do Sul e Sudeste, em especial do Porto de Santos, densamente utilizado para a exportação e importação de diversos outros produtos da economia nacional”.


Por fim, o ministério ressaltou que “a concretização de uma conexão a oeste, por portos marítimos do Pacífico, enseja um avanço na efetivação de uma integração das infraestruturas sul-americanas, corroborando com projetos regionais de articulação transnacional e fortalecimento conjunto deste subcontinente no cenário geopolítico global”.


Não seria problema para Santos
A assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Elisangela Pereira Lopes, afirma que a rota bioceânica não irá tirar cargas de Santos, pois “há mercado para todos”.


“Não vejo como uma ameaça para o Porto de Santos, que está do outro lado. É o Pacífico versus o Atlântico, as rotas são diferenciadas. No meu entendimento, haverá uma melhor distribuição da logística, porque o produtor terá mais opções para escolher, a depender da rota, qual é a melhor logística para enviar os seus produtos e receber outros, como insumos. Não acho que são competitivos, mas complementares”.


Elisangela salientou que os efeitos desse futuro corredor logístico só deverão ser sentidos “a longo prazo no País”.


A assessora técnica diz que ainda não existem estudos de viabilidade da rota bioceânica para produtos do agronegócio.


“O governo chegou a fazer algumas projeções de custos, mas para produtos com alto valor agregado como veículos. Então, a CNA sugeriu ao Governo que, nos próximos estudos deste e dos próximos anos, fossem incluídos os produtos do agronegócio, com ênfase nas commodities, como soja, milho, farelo de soja e de milho, etanol e perecíveis”.


Entraves
Ela ainda chama a atenção para a insegurança jurídica e regulatória. “Quando a gente fala de transporte integrando países da América Latina, existe uma certa insegurança nos aspectos políticos, regulatórios e de cooperação. Há um receio se esse corredor funcionará com regularidade e plenitude. No Brasil, por exemplo, nós vemos falta de manutenção nas nossas rodovias”.


Além disso, Elisangela apontou que “há barreiras geográficas a serem superadas. No inverno rigoroso, como a gente vai suplantar as Cordilheiras dos Andes? Essas questões precisam ser colocadas no papel. É preciso fazer um estudo robusto, analisando a infraestrutura existente e projetos em andamento”.


Tecnólogo em Logística e Transportes e consultor da Agência Porto, Ivam Jardim avalia que “uma hipotética implementação total dos corredores bioceânicos idealizados representa, sim, uma alternativa logística significativa para o escoamento de produtos, principalmente grãos, do Centro-Oeste brasileiro para os mercados internacionais, mas, por enquanto, se trata apenas de um plano”.


Jardim menciona outra rota alternativa em estudo: “Também se fala de uma opção ferroviária de Lucas do Rio Verde (MT), passando por Porto Velho (RO), cruzando os Andes e chegando até o Peru”.


É viável?
consultor ressalta que, para além do ganho logístico, é necessário analisar a viabilidade econômica da rota bioceânica. “É preciso ter cuidado ao se falar sobre a potencial redução nos custos logísticos e no tempo de transporte para os exportadores. Não se pode ignorar o altíssimo valor de capex (infraestrutura) necessário à implementação dessa rota”.


Ele lembra que para uma operação ser viável e receber investimentos, não deve apenas ser operacionalmente mais barata, mas ter retorno financeiro completo, considerando todos os investimentos necessários.


O especialista aponta outras prioridades no modal ferroviário, como a necessidade de expansões na Ferrovia Norte-Sul, a implementação da Ferrogrão de Sinop (MT) até Itaituba (PA) e obras na Ferrovia de Integração Oeste-Leste de Ilhéus ao Oeste baiano, que tem crescente produção agrícola.


“E também a interminável Ferrovia Transnordestina, que impulsionaria o Nordeste, a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste, que ligará o Mato Grosso à espinha dorsal de nossa malha ferroviária e, principalmente, ao Porto de Santos”.


Em sua análise, esta última rota beneficiará muito o complexo portuário santista “com a expansão da Malha Norte até Lucas do Rio Verde e a expansão da Malha Paulista para aumentar a capacidade de transporte de cargas entre o interior de São Paulo e o Porto de Santos, beneficiando a exportação de uma vasta gama de produtos”.


Jardim complementa dizendo que embora o corredor bioceânico possa representar uma concorrência ao Porto de Santos no escoamento de grãos do Centro-Oeste, “a realidade é complexa e multifacetada”. (BF)


Logo A Tribuna
Newsletter