Paulo Henrique Cremoneze: De Beirute para Santos - lições e cuidados

Todo cuidado é pouco e qualquer descuido nos protocolos de segurança pode ser fatal

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  15/08/20  -  01:56
 De Beirute para Santos: lições e cuidados
De Beirute para Santos: lições e cuidados   Foto: Ilustração: Padron

No dia 4 de agosto, o Líbano foi sacudido por uma gravíssima explosão no Porto de Beirute, um dos mais importantes do Oriente Médio. As imagens da explosão são dramáticas e a devastação que provocou é típica de guerra. A contagem dos mortos e feridos ainda está aberta e os prejuízos materiais são bilionários.


Os fatos carecem de melhor apuração, mas logo se soube o grande protagonista da tragédia, o nitrato de amônia, também chamado de nitrato de amônio. Trata-se de um velho conhecido, pois meus sócios e eu trabalhamos em não poucos casos em que ele foi o vetor de grandes sinistros marítimos. Tanto que no mesmo dia, publiquei nas redes sociais o seguinte comentário:


“NITRATO DE AMÔNIA


Confirmado.


O protagonista da mega e trágica explosão, hoje, em Beirute foi o nitrato de amônia. Trata-se de um dos mais perigosos produtos químicos existentes. Nervosamente explosivo.


Meus sócios e eu o conhecemos bem. Trabalhamos em casos importantes de sinistros marítimos e portuários envolvendo o produto. 


Faz tempo que ele é verdadeiro terror logístico. É produto necessário para muitas coisas e dificílimo de ser transportado e armazenado.


Todo cuidado é pouco e qualquer descuido nos protocolos de segurança pode ser fatal. 


Que a tragédia sirva de exemplo para os brasileiros e os santistas, em especial. A movimentação de cargas de nitrato de amônia em Santos, no porto e nos terminais, é assustadoramente grande. Volume infinitamente maior que o movimentado pelo Porto de Beirute. Repito: a quantidade de nitrato de amônia que gira em Santos é estupenda. 


Que ninguém ouse subestimar a necessidade de cuidados além dos cuidados, investimentos em segurança e muita seriedade”.
Independentemente do aprofundamento das investigações, a participação do nitrato de amônia é certa e isso me causou enorme preocupação.


O Brasil importa cerca de um milhão de toneladas do produto por ano e o Porto de Santos é a grande porta de entrada e de armazenamento provisório do produto. 


Podemos imaginar o perigo?


No dia 6, este Jornal publicou matéria a respeito, assinada pela jornalista Fernanda Balbino e a que contribui.


Consta do texto de A Tribuna o que disse à Fernanda Balbino: “Sendo o nitrato de amônio o protagonista da tragédia, convém autoridades, empresários e trabalhadores portuários santistas reexaminarem cuidadosamente todos os protocolos de segurança no manuseio do produto químico na região. O Brasil usa muito o nitrato de amônio, importante para o agronegócio e Santos o opera em volumes muito maiores que Beirute. O sistema de segurança geral daqui é bom e eficiente, mas todo cuidado é pouco e nenhum descuido é admissível. Protocolo revisto é risco diminuído”.


Disse isso lá, repito agora: todo cuidado é pouco. 


Trabalhei, como advogado, em casos em que navios explodiram e afundaram por causa do nitrato de amônia ou amônio. Produto muito sensível, pode entrar em colapso quando exposto ao calor e à água. Daí a necessidade de cuidado sobre cuidado, protocolo sobre protocolo.


Mesmo antes do fim das investigações oficiais libanesas, podemos dizer que lá ocorreu um impressionante conjunto de falhas operacionais e que o consórcio infeliz de causas gerou o sinistro. 


Isso pode se repetir. Em um lugar como o Porto de Santos? Difícil, mas pode. Recomenda a segurança que o “difícil” seja deixado de lado e o “mas pode” passe a ser o alvo de interesse de todo o mundo.


Em Santos, um problema com o nitrato de amônio poderá ser muito mais grave, não só pela quantidade do produto, mas pelo desenho geral do Porto. Ao contrário do que houve em Beirute, em que parte da explosão foi ao mar aberto, aqui ficará entre margens e com muitos terminais com outros produtos químicos ao lado. 


Para pensarmos seriamente, não?


Que o acidente de Beirute nos sirva de perpétuo alerta.


Termino deixando minha homenagem ao povo libanês, no Líbano e em todo o mundo. O Brasil é o país que mais acolheu libaneses ao longo da história e eles ajudaram a construir o País. Homens e mulheres de fibra, trabalhadores e empreendedores. Enriqueceram a sociedade brasileira, assumiram posições importantes em muitos setores, fundaram, ao lado dos sírios, o melhor hospital da América Latina, clubes e empresas. Influenciaram positivamente na gastronomia e na culinária e são dignos de respeito e admiração. Hoje, mais do que tudo, de solidariedade, carinho e empatia.


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