Matheus Miler: O futuro dos portos públicos e as convenções coletivas

É preciso garantir a implantação de um modelo que promete menos amarras e maior eficiência operacional e financeira dos terminais instalados em portos organizados

Por: Matheus Miler  -  06/11/20  -  00:01
 Matheus Miler: O futuro dos portos públicos e as convenções coletivas
Matheus Miler: O futuro dos portos públicos e as convenções coletivas   Foto: Ilustração: Padron

A convenção coletiva de trabalho no âmbito da relação capital-trabalho no sistema laboral portuário é um importante instrumento, que deve ser estimulado para garantir o sucesso das mudanças prometidas para os portos públicos brasileiros. A reflexão toma relevância quando notamos que, na primeira onda de transformação pela qual passou o arranjo institucional dos portos, e que durou de 1993 a 2012, o instrumento foi pouco utilizado, contribuindo para o atual cenário ainda bélico e dispendioso.


Fundamentada na negociação entre dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais, balizada pela legislação e fiscalizada pelo poder judiciário, a convenção coletiva de trabalho ganha força no Brasil após o reconhecimento do direito à organização sindical. Com base no direito francês de 1919, a expressão convenção coletiva no Brasil aparece no Decreto nº 21.761 de 1932 e é reconhecida constitucionalmente em 1934. A partir de então, todas as demais constituições brasileiras trataram do assunto. 


A reflexão inicial não é nova, e pode ser observada pelo acanhado sucesso das convenções coletivas nos principais portos públicos do Brasil, com destaque para o Porto de Santos – onde, desde 1998, operadores portuários e estivadores não conseguem entabular suas condições de trabalho pela via da negociação ampla e coletiva, deixando às tardias decisões do Poder Judiciário, ou ainda aos acordos individuais, o importante planejamento estratégico para o crescimento sustentável das operações portuárias. A falta de uma visão comum trouxe, ao longo dos últimos 30 anos, milhares de ações trabalhistas individuais e coletivas e relevantes passivos jurídicos para os diversos Órgãos Gestores de Mão de Obra (Ogmos) - e aos operadores a eles obrigatoriamente associados. 


Mais atualmente, nas razões e justificativas que embasaram a MP 945 (convertida na Lei 14.047/2020), identificamos que os pontos crônicos da relação capital-trabalho, não superados pela via negocial ao longo dos anos, foram alterados com a intervenção do Poder Executivo. Encontramos, ainda, esse diagnóstico no recente acórdão do Tribunal de Contas da União originado pela auditoria operacional portuária que observou, na relação capital-trabalho portuária, um impeditivo à maior competitividade dos terminais instalados em portos públicos.


Muitos outros fatos vivenciados ao longo dos anos, também citados em minhas colunas anteriores, somam a estes trazendo insegurança jurídica, riscos aos investimentos portuários em portos públicos, precarização do trabalhador portuário e maiores custos para a sociedade. A história da humanidade e da organização da sociedade moderna é marcada por rupturas e transições nos regimes laborais – que vão da escravidão ao regime, ainda limitado, de negociação – onde somente através da tutela do Estado, foi possível harmonizar os interesses das classes econômicas e profissionais. Será que tudo isso vai se repetir? 


Portanto, neste momento de revisão da política pública, fundamentada pelo apelo de maior liberdade econômica, que abarca mudanças ideológicas e conceituais sobre a exploração, a governança, o desenvolvimento e a regulação da atividade portuária em portos públicos, o encontro de interesses entre as classes econômica e profissional, entabuladas através das convenções coletivas de trabalho, será imprescindível para garantir a implantação de um modelo que promete menos amarras e maior eficiência operacional e financeira dos terminais instalados em portos organizados.


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