Manuscritos revelam funcionamento de tribunais do crime em facção criminosa de SP

As anotações estavam na casa de um homem apontado como disciplina do grupo, em São Vicente

Por: De A Tribuna On-line  -  27/04/19  -  21:41

Manuscritos apreendidos pela Polícia Civil revelam com detalhes o funcionamento de tribunais do crime do Primeiro Comando da Capital (PCC). Com relatos de execução, aplicação de castigos físicos, controle de punições e movimentação contábil de pontos de tráfico, as anotações estavam na casa de um homem apontado como disciplina da facção criminosa, em São Vicente. Ele foi preso em flagrante.


Responsáveis por dar a palavra final em sua área de atuação, exercendo as tarefas de receber denúncias, investigá-las e aplicar as punições com o aval de superiores da cúpula da facção, denominados sintonias, os disciplinas têm um poder de fato que o próprio Estado não possui. Ao mesmo tempo são Polícia Civil, Ministério Público e Justiça, amparado por um Poder Legislativo não menos informal, autor do estatuto do PCC.


Nada mais que um pretenso código de ética, o estatuto prevê e respalda as punições impostas pelos disciplinas. As anotações apreendidas estavam na casa de um homem de 26 anos, conhecido como Pirata, localizada na Vila Margarida, em São Vicente. Policiais da Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes (Dise) de Santos se dirigiram ao local porque já reuniam informações do vínculo do marginal com o PCC.


O delegado Ivan Agostinho Silva autuou Pirata por integrar organização criminosa e possuir munição de arma de fogo de uso restrito. Além dos papéis escritos a mão, no guarda-roupa do disciplina foi achado um cartucho de pistola .40. As anotações são investigadas porque relatam vários delitos. A que mais chama a atenção se reporta a um homicídio, documentado em uma espécie de ata de execução.


‘Legítima defesa’


Suposto assédio sexual a uma menina, cometido por integrante da facção contra a filha de outro membro, motivou o assassinato. A morte teria ocorrido em 31 de janeiro de 2019, no Morro do Itararé. A ata menciona que “Fabrício, vulgo Alemão”, narrou que “realmente mexeu” com a garota, de 11 anos, por achá-la “maravilhosa”. Ainda conforme o documento da facção, Alemão confessou que “sentiu desejo pela criança”.


Levado a julgamento em uma “loja da família” (ponto de tráfico do PCC), Alemão teria tentado fugir e um marginal apelidado por Guevi o matou a tiro. Para não se responsabilizar sozinho pela morte, Pirata registrou na ata que ele e outros disciplinas concluíram que o autor do disparo agiu em “legítima defesa”, absolvendo-o. O conselho de sentença citou no relatório sete testemunhas do episódio, todas do José Menino.


O cadáver de Alemão, ao que tudo indica, foi ocultado. Essa suspeita decorre de uma “observação” no final do relatório: “Ser no final aparece algum familia aparece vai ser devolvido o corpo (sic)." Sobre o falecido Fabrício, o Alemão, o manuscrito informa que ele tem 23 anos e é oriundo da “quebrada” de Barueri. A Polícia Civil tenta identificá-lo e checa se algum parente comunicou o seu desaparecimento.


Outros casos


Em mais um julgamento presidido por Pirata, com data de 6 de março de 2019, o conflito a ser resolvido ocorreu no Parque Bitaru. Integrantes da facção brigaram durante o desfile de uma banda carnavalesca e um dos envolvidos pediu “cobrança física” para o outro, que aceitou o castigo corporal. O disciplina de São Vicente também guardava em casa relatórios sobre desavenças entre comparsas na partilha de produtos de roubos.


Confira os manuscritos:



 



 



 





 



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