Caso Fabiane: filha de mulher linchada há oito anos em Guarujá ainda luta por justiça

Dona de casa foi espancada e morreu após ser confundida com uma sequestradora de crianças em uma notícia falsa

Por: Gabriel Fomm  -  15/10/22  -  06:35
Fabiane de Jesus foi confundida com um retrato falado
Fabiane de Jesus foi confundida com um retrato falado   Foto: Arquivo Pessoal

Há oito anos, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, que tinha 33 anos, foi brutalmente espancada no bairro Morrinhos, em Guarujá, depois de ter sido confundida com uma mulher que supostamente estaria sequestrando crianças para rituais de magia negra. Ela morreu no hospital. Até hoje, a família de Fabiane tenta responsabilizar todos que colaboraram com a tragédia.


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O caso tomou repercussão nacional e foi inspiração para a nova novela da TV Globo, Travessia, escrita por Glória Perez. A filha de Fabiane, Yasmin de Jesus, de 21 anos, conta que assistiu a obra para ver como a história seria retratada.


“Para mim foi uma surpresa. Eu não esperava que minha mãe fosse inspirar uma novela ou qualquer coisa do tipo. Cheguei a assistir sim, mas a parte da personagem eu não consegui ver, da perseguição e tudo, não vi a cena. Acabei perdendo, não consegui acompanhar a novela”, relata.


A jovem tinha 13 anos quando a mãe sofreu os ataques por conta de postagens falsas em uma página do Facebook. “Nossa relação era de melhores amigas. Tudo eu contava para ela, porque ela também me contava. Era isso”, relembra.


“Eu estava em casa quando chegou a vizinha e a filha dela com o celular, mostrando a foto dela caída no chão toda machucada e já desnorteada. Foi aí que eu soube o que tinha acontecido. Ela foi para mostrar para o meu pai, mas como eu estava junto, também acabei vendo”, conta.


O caso aconteceu em 3 de maio de 2014, quando uma postagem com retrato-falado afirmava que a mulher das imagens estaria envolvida com sequestros de crianças na região. Após o linchamento, Fabiane foi levada ao Hospital Santo Amaro, gravemente ferida, e morreu dois dias depois.


“Hoje a gente lida melhor do que no começo, que teve um choque maior. Agora a gente consegue lidar com mais tranquilidade e ter mais frieza em questão de tudo, do processo e do que aconteceu até hoje”, afirma.


Yasmin é mãe de uma menina de um ano. Ela contou que tenta aproximar sua filha à memória afetiva de Fabiane. “Eu trato ela do mesmo jeito que minha mãe me tratava. Com muita amizade, carinho. Eu sempre tento mostrar pra ela quem era a avó dela de uma forma lúdica, até porque ela não entende ainda”, explica.


Fabiane e Yasmin antes do crime e como está a jovem hoje em dia
Fabiane e Yasmin antes do crime e como está a jovem hoje em dia   Foto: Arquivo Pessoal

Ação contra rede social
Desde 2019, Yasmin está em uma briga judicial com a rede social utilizada para fazer as postagens que causaram a morte de sua mãe. A filha da vítima acredita que o processo contra o Facebook é uma forma de combater as notícias falsas.


“Comecei a ação em busca de justiça e alertar as pessoas contra fake news. Pode trazer uma mudança até mesmo mundial, para as pessoas se conscientizarem. Isso melhora tanto a vida das pessoas, como a rede social em si e a internet em um todo. A internet não é terra de ninguém”, diz.


O advogado responsável pelo caso, Airton Sinto, diz estar atuando para penalizar todos os responsáveis pela morte de Fabiane de Jesus. “Quem agrediu a Fabiane, bem como os responsáveis que criaram, colocaram e compartilharam as fake news. Não foi só uma pessoa, foram várias”, comenta.


“O Facebook é totalmente responsável pelo que aconteceu com a Fabiane de Jesus e, por conta do que é previsto em lei, aquele que causar dano a alguém, nesse caso a família com a morte dela, ela fica obrigada a reparar esse prejuízo, ainda que seja um prejuízo moral”, afirma.


Segundo o advogado, a rede social apresenta ferramentas de ocultar, excluir e bloquear um perfil que dissemina discursos de ódio. Por isso, as postagens com a notícia mentirosa deveriam ter sido avaliadas com cautela e devidamente penalizadas.


“Antes do fato ocorrido com a Fabiane, em meados da guerra na Síria, houve uma postagem na região incitando violentamente o ataque a um grupo de refugiados. O Facebook, sem notificação ao dono da página ou esperar uma ordem judicial, foi lá e retirou do ar. Então, ele tinha mecanismos para verificar discursos de ódio que estavam tendo repercussão e pudessem gerar algum tipo de prejuízo para as pessoas”, cita.


A rede social ganhou a ação em primeira e segunda instâncias. Agora o caso será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O valor atribuído à causa tem o valor de R$ 36 milhões.


“Não é só uma questão financeira, muito pelo contrário. Tanto que eles optaram por entrar com a ação depois que fosse terminado o processo criminal e eu orientei a época que eles poderiam ter entrado ao mesmo tempo. Então eles não têm sede por dinheiro. Isso eu posso falar sem hipocrisia”, informa.


Para o profissional, essa ação vai além do valor requerido. O objetivo deles é de fazer justiça pelo caso e ensinar uma ligação para a rede social. “O facebook deu as costas à situação quando aconteceu e nunca tentou entrar em contato com a família. Essa condenação vai ser didática, não só para ele, mas para as pessoas quanto à importância de ter responsabilidade no uso da rede social”, reforça.


Até o fechamento desta reportagem, o Facebook não se posicionou quanto ao caso e os pontos levantados pela defesa.


Outros responsáveis
Cinco homens foram identificados como principais responsáveis pelo linchamento, Jair Batista dos Santos, Abel Vieira Batalha Júnior, o Pepê, Carlos Alex Oliveira de Jesus, Valmir Dias Barbosa e Lucas Rogério Fabrício Lopes, o Lagartixa, todos foram condenados por homicídio qualificado e continuam presos.


“Diante dessa situação, com muitas filmagens e as coisas que aconteceram, cinco pessoas foram identificadas, presas, processadas, foram condenadas em primeira instância, condenadas em segunda instância, não cabe mais recurso e estão cumprindo pena”, conta o profissional.


A página que realizou as postagens com o retrato falado e as notícias falsas, que atribuíam as fotos ao crime envolvendo crianças, não foram responsabilizados legalmente pelo crime. O advogado afirmou que, na época, não havia lei específica para incriminá-los.


“As postagens desta página não incitava diretamente, eles postavam e falavam: ‘Cuidado pessoal, temos uma sequestradora de crianças no bairro’, aí o discurso de ódio começou violentamente e a página não se conteve, continuou alimentando isso com novas postagens”, conclui.


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