'Para a indústria, o Polo de Cubatão não perdeu relevância nenhuma', diz presidente da Abiquim

Ciro Marino detalha fatores que travam o crescimento da indústria química no Brasil e fora dele

Por: Arminda Augusto  -  24/04/22  -  20:04
Atualizado em 24/04/22 - 20:05
Ciro Marino, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)
Ciro Marino, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim)   Foto: Divulgação

Reforma tributária, melhorar preço e acesso a gás natural e energia elétrica, manter política de incentivos fiscal e tributário para o segmento. Ciro Marino, presidente da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), diz que equacionar esses fatores é dar ainda mais competitividade ao segmento, tanto no mercado interno quanto no internacional. O Brasil é o sexto no mundo, mas pode chegar ao quarto lugar. Nesta entrevista, ele detalha fatores que travam o crescimento da indústria química no Brasil e fora dele.


Gostaria que o senhor dimensionasse o que representa a indústria química. Quanto isso representa do PIB industrial, quanto gera de impostos...


A indústria química, no ano passado, fechou com um faturamento da ordem de US$ 142 bilhões. Esse tamanho de indústria nos dá a sexta posição entre as indústrias químicas do mundo. Mas essa posição está muito aquém das potencialidades brasileiras. A indústria química provê matérias-primas para todos os demais segmentos industriais, sem exceção.


Essa é uma percepção que as pessoas não têm..


Exatamente. Os setores de vestuário, automobilístico, construção civil, fertilizantes, farmacêuticos são visíveis do consumidor final, enquanto a química está muito atrás disso. É como uma árvore, onde esses segmentos são as folhas, e a indústria química é a raiz. Ela, junto com siderurgia, mineração, agrobusiness. Produção de produtos que, de fato, podem gerar moléculas para a indústria química de renováveis. Lembrando que a indústria química brasileira já é, hoje, a mais sustentável do mundo. E vai se consolidar nessa posição no futuro. Será líder de químico de renováveis, sem dúvida nenhuma, quer seja pelo uso da energia, seja pelo uso das moléculas também.


Em relação ao PIB industrial, qual a posição atual?


É o terceiro no PIB industrial, perdendo para alimentos (2º) e óleo e gás (1º). No entanto, no mundo, normalmente, a indústria química, nos países desenvolvidos, é o quinto setor gerador de PIB. Porém, no Brasil, a indústria química é mais importante para o País do que os outros dois setores. Mas o que é relevante de comentar: apesar de nós sermos o terceiro PIB, somos - dentro do setor industrial -, o que mais arrecada para o Governo Federal. Ou seja; a gente começa a notar que alguma coisa não está correta. Se nós somos o terceiro PIB, não deveríamos ser o primeiro em arrecadação. Deveríamos ser o terceiro.


O que está errado então?


Há a necessidade de uma reforma tributária para o setor químico, que está preso em uma amarra e tem um potencial de crescimento gigante. Falei que somos os sextos no mundo. Mas poderíamos ser o quarto lugar. Saltar do sexto para o quarto significaria dobrar de tamanho. Falam que seria um pouco de exagero, mas não é. Falei que a indústria química só depende de óleo, gás, água, agroprodutos e mineração. Qual o país melhor posicionado no mundo do que o Brasil? Se você imaginar que o Japão é o terceiro no mundo em química, não tem um recurso natural que preste. A própria Coreia, que é o quinto, não tem recursos naturais. Logicamente, Estados Unidos e China, sim. Mas a China depende muito, também, de insumos importados.


Então, para melhorar a competitividade há uma lição de casa interna para fazer?


Costuma-se dizer que o Brasil não é competitivo porque sua indústria não tem suficiente exposição ao mercado internacional. Isso não vale a para a química, que é 100% exposta ao mercado internacional. Onde que nós perdemos para as fábricas que estão aí fora? Não é em tecnologia, produtividade ou performance. Quais são os grandes problemas da indústria química? Primeiro: tributos. Não tenha dúvida. A gente paga de 40 a 45% da nossa arrecadação em tributos. Os países com os quais nós concorremos pagam de 20 a 25%. A segunda coluna do tripé, basicamente, são insumos. O gás natural, fora do período de guerra, é cerca de 300% mais caro que o americano. Gás natural, para a indústria química, é fonte da molécula. Quando a gente passa para energia elétrica, fica 400% mais caro. E o terceiro item, que não é muito visível para este governo, é que toda indústria química do mundo tem uma espécie de subsídio ou suporte para a sua indústria química. Ou através de um investimento a fundo perdido, ou com juros muito atraentes ou com renúncia fiscal.


Aqui o senhor está falando no Reiq (Regime Especial da Indústria Química)?


Exato. Nosso Reiq, aqui, é estimado numa renúncia da ordem de US$ 300 milhões. É isso que estamos brigando, porque o Governo voltou a insistir em acabar de uma vez por todas. No ano passado, também tinha vindo essa proposta de acabar com o Reiq. Conversamos com o Congresso e conseguimos. Vai extinguir, mas vamos dar uma gradualidade de 4 anos. Porque a indústria química trabalha sempre com contratos de longo prazo, tanto para compra como para venda de produtos. Acabar de uma hora para outra é criar um cataclisma.


A criação do Reiq, em 2013, tinha o propósito de dar maior competitividade ao setor em relação à indústria internacional. Em quase dez anos não foi suficiente? Ou, a exemplo de outros países, essa isenção deveria ser permanente?


Num primeiro momento ele significava algo como em torno de 9,65%. Depois, havia uma gradualidade para cair para 3,65%, que era até o ano passado e daí para a frente ficar estabilizado. O que se objetivava com o Reiq dez anos atrás? Era que nós tivéssemos um agente que moderasse essa simetria, até que tivéssemos uma Reforma Tributária. Só que ela não aconteceu até agora. E ainda não temos um cenário. Mesmo quando nós topamos reduzir gradualmente para quase zero, imaginamos que deva acontecer uma Reforma Tributária. Lá fora tem Reiq também, então, mesmo com a reforma, a gente vai precisar continuar a trabalhar para o Reiq. Qual o tamanho? Não sabemos ainda.


Em termos de tecnologia e inovação, a indústria química brasileira é competitiva?


Ela é perfeitamente competitiva, tem tecnologia. Acho que a gente poderia ser melhor em inovação. Mas o que acontece é que uma indústria que tem todo esse desafio pela frente, vai concentrar suas energias em produtividade, automação, ganhos de processo. A concentração foi muito mais na performance da produção dos seus químicos, mas a tecnologia está aí disponível.


Qual segmento industrial é o maior cliente da indústria química?


O que cresceu muito: embalagens. Todos os tipos de materiais sanitizantes. Oxigênio, que faz parte da química, também teve uma demanda gigantesca em 2020. E todos os demais aditivos que compõem, por exemplo, o álcool em gel (que cresceu 20 mil %). Foi um crescimento gigantesco, aliado ao polipropileno, utilizado para máscaras, para a fabricação de seringas, os aventais, EPIs de modo geral. A indústria química, de 2019 para 2020, em plena pandemia, cresceu 11%.


Isso decorre de quê? Dá para identificar?


Todos esses produtos químicos que eu citei cresceram vertiginosamente. Mas veja o paradoxo: a indústria nacional, a produção só cresceu 2,2%. Ou seja, crescemos 2,2%, a demanda cresceu 11%, para atender ao mercado externo, a exportação. Isso porque o Brasil não consegue competir em algumas moléculas, inclusive fertilizantes. Tínhamos fábricas de fertilizantes e desmontamos. Logicamente a Rússia, agora em guerra com a Ucrânia, de toda a importação, cerca de 28% vem da Rússia; então, é bastante impactante o que está acontecendo. Lembrando que, de todos os fertilizantes, o Brasil importa de 85 a 90% da sua necessidade. Muito pouco é produzido aqui.


Aqui no Polo de Cubatão, há indústria de fertilizantes. Como a gente chegou numa dependência tão grande do fertilizante da Rússia?


Sim, em Cubatão tem a Yara. A indústria química sabia disso, há uns 5 ou 6 anos se falava disso. A Petrobras tinha essa produção do que chamamos de fosfatados. Tem o nitrogenado, o fosfato e o potássio. O que está sendo produzido aqui em Cubatão é o nitrogenado, nitrato de amônio. O que acontece? Nessa linha de nitrogenados, a Petrobras tinha duas fábricas, uma na Bahia e outra em Sergipe, que foram fechadas nos últimos cinco anos. E uma outra em construção, em Mato Grosso... São produtos relativamente baratos, que têm que estar próximo ao consumo. Você produz e já entrega, não precisa ficar transportando, gastando em logística. Mas isso tudo tem relação com a molécula. Lembra que eu falei que a gente precisa do gás natural por causa da molécula?


E como temos um gás natural caro, toda a cadeia fica comprometida..


Aí está. Do gás natural, você produz amônia; da amônia, você produz uréia; da uréia, você tem uma família de nitrogenados. E, como não somos competitivos na molécula, você já "mata" todo o mercado de cara. E, mesmo quando falamos de potássio e fósforo, falamos de produtos de mineração. Para você minerar produto, o que mais consome, que é impactante, não é mão de obra, é energia. Nós não somos competitivos em energia. Então, a gente deixou de produzir fosfatados e também potássio.


Então, mesmo que a guerra termine amanhã, não será de imediato que conquistaremos a autosuficiência em fertilizantes, é isso?


Isso. Amanhã, o brasileiro esquece e já está tudo certo. Mas o que temos dito é o seguinte: temos falado de agronegócio, fertilizantes e outros químicos. Temos agroquímicos para o tratamento das culturas. Temos também muita coisa importada. Mas também temos muitos intermediários farmacêuticos. O Brasil já teve mais de 200 transformadores químicos e intermediários para a indústria farmacêutica. Essa indústria também foi desmontada. Hoje, se tiver uma dúzia, ou 15, é muito. Para você ter uma ideia, o ácido acetilsalicílico, o AAS, que todo mundo conhece como aspirina, era produzido pela Rhodia até 2018. Devem estar importando da Índia, que é muito mais competitivo do que produzir aqui. O Brasil vai precisar desenvolver uma estratégia de estado. Mas não é só preço. Você tem que pensar na cadeia logística. Como disse para você; a gente poderia dobrar o setor químico, mas não vai fazer isso trabalhando do mesmo jeito que foi nesses primeiros 60 anos da Abiquim. Como praticamente todas as entidades, trabalhamos de forma muito reativa. Você tem um problema regulatório, os associados recorrem à Abiquim, que estuda e vai tomar as providências.


A indústria química também depende de importações?


Recebemos muita importação nestes últimos dois anos. O segmento vem crescendo muito mais do que a indústria nacional vem respondendo por falta de competitividade. Chegamos ao absurdo, nesses últimos 12 meses, de importar 47% da nossa necessidade de químicos. Não quer dizer que a gente não tenha a tecnologia e nem a capacidade. Nós estamos trabalhando com 30% de capacidade ociosa. O que não temos é competitividade. Estamos estagnados há uns 10, 12 anos, em que nossa exportação fica entre 10 e 13 bilhões de dólares, que é pouco. Precisamos imaginar o que vai acontecer. A China já atingiu um grau de desenvolvimento e quem já desenvolveu uma classe média importante, talvez maior que a americana. Então, a China precisa começar a redirecionar toda essa estrutura de exportação que ajudou o país a crescer para, agora, começar a atender o seu mercado interno. Muita gente me pergunta o porquê deles cederem o mercado externo. Simples: porque a China também não tem recursos infinitos. Quem tem a ganhar com isso é o Brasil. Um segmento promissor para química é o saneamento.


Saneamento?


A gente não pode esquecer disso. No ano passado, passamos a contar com o Marco do Saneamento. Nas linhas macro, vai entregar água de qualidade para 36 milhões de brasileiros e esgoto tratado para 100 milhões. Isso significa um investimento da ordem de 1 trilhão de reais. Esse é um mercado novo para o Brasil, mas não é só o tratamento da água em si. Quando você fala em cloro, também usa para a fabricação do PVC, que são as tubulações, os aditivos para concreto dos reservatórios, os geotêxteis da construção civil. O consumo de químicos é gigantesco. Só com um projeto de saneamento, dá para construir duas novas fábricas de cloro em escala mundial.


Falando do nosso Polo Petroquímico de Cubatão, o senhor considera que o peso dele para a indústria paulista e brasileira ainda é relevante?


Para a indústria química, não perdeu relevância nenhuma. Mas temos que reconhecer que houve uma retração na produção. Fomos paulatinamente, no Brasil, desmontando cadeias produtivas. Você pega os grandes polos - São Paulo é, seguramente, o estado mais importante, porque possui dois pólos, de Paulínia e de Cubatão. E a gente vive desmontando. Você tira um produtivo aqui de baixo e, seguramente, desmonta a cadeia inteira. E é isso que a gente tem dito. Se voltar a um razoável grau de competitividade, muitas das instalações que já estão aqui podem ser recuperadas e repartidas. Se conseguirmos mostrar um cenário, mais investimentos virão para o Brasil. A gente não explora isso. A indústria química está aquém de sua capacidade.


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