Especialista explica os impactos que a reforma tributária pode provocar na sua vida

O advogado Rafael de Moura Campos também comentou sobre a atualização do Código Civil; confira entrevista

Por: Ravena Soares  -  20/04/24  -  15:41
  Foto: Adobe Stock

Às vésperas do envio das propostas de regulamentação da reforma tributária ao Congresso Nacional, que deve ocorrer na próxima semana, o advogado Rafael de Moura Campos, especialista em Direito Corporativo e Compliance e que atua há 20 anos nas áreas tributária, societária e cível, explica os impactos que a medida pode provocar no dia a dia de pessoas físicas e jurídicas. Ele também comentou sobre a atualização do Código Civil, cujo anteprojeto foi entregue ao Senado na última quarta-feira.


Aprovada no ano passado, a reforma tributária está em fase de regulamentação. Quais os benefícios e riscos dessa etapa?


A reforma tributária tem um caráter muito bom por simplificar todo regulamento tributário, que no nosso País é caótico. Hoje, vivemos um “manicômio tributário”. É imposto sobre imposto, valores incidindo sobre valores, um cenário que complica para a pessoa comum o entendimento das regras tributárias. A reforma ajuda na simplificação disso, criando parâmetros e bases mais adequadas para o entendimento do sistema tributário. Essa é a primeira fase da reforma, já sancionada e que falou muito mais em “como” do que em “quanto”. O “quanto” é aquilo que nós vamos pagar no futuro e será regulamentado por leis complementares. Aí mora o perigo. É nesse detalhe que a carga tributária pode aumentar muito, aumentar pouco ou não aumentar. Mas prevemos que, no melhor dos mundos, ela vai se manter igual. Mas só pelo fato de ter uma simplificação do sistema, já há um ganho.


Como ela pode refletir no dia a dia de empresas e pessoas físicas?


Com certeza ela irá refletir. Se uma pessoa fala que não paga imposto por ser isenta no Imposto de Renda, por exemplo, ela acaba pagando tributo quando compra um lanche, paga um transporte público ou quita uma tarifa bancária. Todo produto, todo serviço tem um custo tributário inflexível, que está lá dentro. Imposto é assunto a que se deve estar atento, pois é sinônimo de cidadania. E a reforma tributária terá reflexo direto nas atividades das empresas ou das pessoas jurídicas. Dependendo da estrutura da pessoa jurídica ou então da opção da pessoa física com determinados bens, isso vai ter mudança no que ela vai pagar do chamado imposto. É importante todos conhecerem as regras da reforma tributária.


No âmbito societário, o imposto cobrado sobre heranças ou doações pode subir no Estado?


Ele vai subir. Já existe um projeto de lei da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovado e com parâmetros para esse imposto. Ele vai majorando de acordo com o valor financeiro do bem que vai ser transmitido ou doado. Ou seja, ele criou bandas que começam em 1% e vão até 8%. O ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) é um imposto de competência do Estado de São Paulo, que hoje cobra 4%. Mas a reforma tributária, que é federal, falou que a partir agora vai ter que ser progressivo e poderá chegar a 8%. São Paulo se adiantou e fez a lei própria, que permite chegar até 8% de acordo com o volume a ser transmitido. Além disso, existe um projeto de lei no Senado que prevê o aumento para 16%. Qual o impacto disso para pessoas e empresas? Se for possível se antecipar e fazer um bom planejamento sucessório e societário, pode-se mitigar o pagamento disso no momento.


No que a reforma do Código Civil, cujo anteprojeto foi apresentado quarta-feira no Senado, pode impactar a questão societária?


O anteprojeto foi capitaneado pelo professor Flávio Tartuce e trata da sucessão patrimonial, modernização de parâmetros, divisão do patrimônio, exclusão de herdeiros e mudança de paradigmas, de acordo com a nossa nova verdade social. O Código Civil, por exemplo, pode dar uma liberdade maior ao indivíduo fazer o que quer com o patrimônio dele, sem regras tão amarradas. E isso tem a ver com a questão tributária porque, sobre tudo o que a pessoa tiver como patrimônio, haverá incidência de impostos, como os 4% que falei antes. Mas esse projeto ainda está em processo de tramitação e existe uma bancada conservadora contrária a essas mudanças mais avançadas, querendo manter o Código Civil quase como está hoje.


Muito se fala em tributar grandes fortunas no País. Como isso deve ser feito?


Existe uma diferença entre o mundo como fato e o mundo como uma ideia. Todos os países que tributaram as grandes fortunas tiveram fuga dos grandes afortunados. Por exemplo, na Argentina, os titulares das grandes fortunas migraram para o Uruguai. Na Europa aconteceu a mesma coisa. O que acontece ao tributar grandes fortunas é que, de uma forma ou de outra, isso vai afetar o consumidor final de eventuais produtos ou serviços desses produtores. Nessa briga de elefante, quem sofre é a grama e a grama é o consumidor final. Um exemplo é um banco. Se o valor do Pix ou do TED aumentar... O banco vai faturar mais e o valor do imposto sobre isso subirá. E quem pagará? O dono do banco ou o correntista? Óbvio que vão transferir para o correntista. Isso tem um perigo muito grande de se refletir, em última instância, na diminuição de domicílios, no compartilhamento desses custos com o consumidor final, no fechamento de postos de valores... Isso pode ser um tiro errado. Tecnicamente, é preciso explicar isso. Agora, moralmente, eu acho que quem tem mais deve ser tributado de forma mais aguerrida do que quem tem menos.


Na sua avaliação, o Brasil é, como muita gente diz, um país que tem a “mão pesada” para a cobrança de impostos?


O Brasil não tem uma mão pesada quando cobra imposto, e sim quando devolve serviços. Nós pagamos mais ou menos 40% de impostos, o que acho alto, mas o que choca mais é a contrapartida do Estado em relação ao que pagamos. Ela é muito baixa, então você paga serviço com imposto como se estivesse na Inglaterra, mas recebe como se morasse em Gana. O contribuinte não consegue ter a percepção do retorno do valor que ele paga e isso é muito ruim. E qual é o maior problema hoje para o empresariado, transcendendo a questão tributária? A segurança jurídica. Recentemente, o STF modulou a chamada “coisa julgada tributária”. A coisa julgada é aquilo que não pode ter mais recurso. Mas isso corre o risco de mudar se o Supremo, por exemplo, alterar o entendimento sobre determinado assunto. Ou seja, você entra com uma ação, ganha, chega no final, acha que acabou, mas isso que você ganhou pode ser mudado lá na frente por uma nova decisão. Cadê a segurança jurídica? A falta da segurança jurídica é o maior gargalo para o empresariado. Ela aumenta o preço, aumenta o custo de transação.


Quais os pontos da reforma tributária que merecem atenção especial de advogados e empresários?


São os pontos que virão daqui para frente, principalmente as leis, a legislação extraordinária que surgirá para regulamentar parte de cálculos, alíquotas, valores, enfim... Todos os acessórios que vão nortear e servir de parâmetros para a reforma já aprovada. Nós vamos ter uma segunda fase da reforma também, mas, por enquanto, o importante é ficar atento a toda regulamentação e legislação que irão vir.


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