Conexão Argentina: O que esperar da relação com o Brasil

Ataques do governo brasileiro criam clima de tensão entre os países que mantém parceria comercial

Por: Samuel Rodrigues - De Buenos Aires  -  05/11/19  -  19:33
Alberto Fernández descarta default e diz que errou ao criticar Bolsonaro
Alberto Fernández descarta default e diz que errou ao criticar Bolsonaro   Foto: Ho/Frente de Todos Party/AFP

A Argentina elegeu Alberto Fernández presidente há pouco mais de uma semana e, desde então, a relação com o Brasil vem sendo debatida como em poucos outros momentos no passado recente. Tudo porque o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, criticou a escolha dos argentinos, ameaçou isolar a Argentina no Mercosul se não visualizar uma abertura comercial no país e declarou que não virá à posse. O que esperar, então, da relação entre Fernández e o Brasil? Frieza, pelo menos a princípio.


Embora o comércio bilateral esteja em queda devido à crise econômica do lado de cá do Rio da Prata, o Brasil continua sendo o principal parceiro comercial da Argentina. As trocas entre os dois países representam quase o dobro do comércio entre Argentina e China, a segunda maior parceira.


Como comentei em colunas anteriores, a Argentina também é importante para o Brasil economicamente. É a terceira maior parceira comercial, atrás apenas de China e Estados Unidos. Além disso, um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre) mostrou que até setembro a crise argentina cortou 0,5% de crescimento da economia brasileira.


Pela proximidade geográfica e laços comerciais, é imprescindível para diversos setores da economia brasileira que haja boa relação entre os dois países, em especial para a indústria de veículos e autopeças, que domina a corrente de comércio.


Mas Bolsonaro ignorou tudo isso ao criticar a escolha dos argentinos. Depois, resolveu subir a aposta, afirmando que não comparecerá à posse de Fernández e Cristina Kirchner, programada para 10 de dezembro. Para piorar, um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, retuitou um meme criado com o objetivo de ridicularizar Estanislao Fernández, filho do presidente eleito da Argentina. A montagem, com duas imagens reais, mostra Eduardo cercado de rifles e Estanislao caracterizado como drag queen e fantasiado como o personagem Pikachu, do desenho animado Pokémon.


A raiz da sequência de menções pouco amistosas à Argentina pelo presidente brasileiro, ministros e seu filho está na proximidade de Fernández com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em julho, durante a campanha, Fernández o visitou na prisão, em Curitiba; no dia da eleição, o parabenizou pelo seu aniversário, tuitando uma foto pedindo “Lula livre”, postura repetida no discurso da vitória. Os ataques de integrantes do governo brasileiro à Argentina foram o assunto de uma carta “pessoal” do atual chanceler argentino, Jorge Faurie, ao embaixador brasileiro na Argentina. Ele classificou de “inadequada” a postura dos brasileiros.


A reação comedida ao clã Bolsonaro se deve à importância estratégica do Brasil. Há muito em jogo. A falta de diálogo entre os dois presidentes talvez não gere problemas em um primeiro momento, mas pode travar diálogos mais adiante se os diplomatas de ambos os países forem incapazes de estender uma ponte entre o Palácio do Planalto e a Casa Rosada.


Ciente da má vontade de Brasília, a equipe de Fernández começa a costurar alianças pelo mundo. Um dos primeiros pretendentes é o México de Andrés Manuel López Obrador, que recebeu Fernández ontem para tratar de uma integração geopolítica maior entre as duas maiores economias da América Latina depois do Brasil. 


Pelos cargos que ocupam, Fernández e López Obrador figuram atualmente entre os principais nomes da esquerda latino-americana e o alinhamento ideológico entre eles promete se traduzir em uma agenda conjunta –diplomática e comercial.


Sobre o autor


Samuel Rodrigues é jornalista e tradutor. Ele escreve na coluna conexão quinzenalmente, às terças-feiras.


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