Conexão Japão: Um ataque da oposição

Para a opinião pública japonesa, políticos não têm direito de organizar festas de gala para seus aliados e correligionários

Por: Yukio Spinoza - De Nagoia  -  13/12/19  -  21:08
  Foto: AFP

Uma tertúlia de contemplação da floração das cerejeiras em frente ao escritório do primeiro-ministro Shinzo Abe, no distrito de Nagata, em Tóquio, foi transformada em escândalo pelo mau uso do dinheiro dos contribuintes. O episódio deixa claro que, para a opinião pública japonesa, políticos não têm direito de organizar festas de gala para seus aliados e correligionários.


Para um cidadão japonês comum, seria inconcebível imaginar que no Brasil, um país com tantas mazelas sociais e falta de infraestrutura, existam fundos eleitoral e partidário, ou seja, parte dos impostos pagos pelos cidadãos vai direto para os partidos políticos e suas campanhas.


Tradição das famílias japonesas, o hanami, que significa “olhar as flores”, é um evento informal, apreciado pelas pessoas no mês de abril, quando as flores de cerejeira, chamadas sakura, atingem o auge de sua breve existência. Nessa época, desde 1952, ano em que o Japão recuperou sua soberania, o governo organiza um evento para honrar as realizações de atletas, cientistas e outros astros.


Como de costume, a oposição acusa o governo de desperdício do dinheiro público e de utilizar o evento como campanha para as eleições da câmara alta, que aconteceram em julho. Mas, desta vez, a reclamação alcançou níveis jamais vistos, após um erro de relações públicas do governo.


O escândalo teve início quando um parlamentar da oposição pediu a lista oficial de convidados, obtendo como resposta que a mesma fora acidentalmente picada horas antes. Surgiu o argumento de que, entre os milhares de convidados, estavam centenas de apoiadores de Abe. A falha em tornar pública a lista de convidados é interpretada como ocultação da informação e trouxe descrédito à organização da festa, um “mau exemplo para as crianças”, dispararam internautas.


“Não há questão mais importante do que esta”, afirma Kenji Ishikawa, professor de lei constitucional da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tóquio (TUFS), ressaltando que “a transparência é a maior premissa de um governo nacional e esta foi difamada pelas ocultações de informações pelo governo, a exemplo da lista de convidados picada”.


Ishikawa pertence a um grupo de intelectuais chamado “Save Constitutional Democracy Japan”, que organizou uma coletiva de imprensa, divulgada pelo jornal Asahi. Por acaso, “democracia para o Japão” era um dos slogans das forças de ocupação que se estabeleceram no país no imediato pós-guerra, chamadas de GHQ, sigla para General Headquarter. A atual constituição japonesa foi escrita pelas forças de ocupação.


No Twitter, a rede social mais popular no país, a repercussão tem sido recorde. A popularidade do governo baixou a ponto de Abe ter que cancelar a votação sobre a revisão da constituição atual, marcada para 2020.


Sobre o autor


Yukio Spinosa é jornalista, intérprete, tradutor e consultor para prospecção de produtos da insústria japonesa. Ele escreve na coluna conexão quinzenalmente, às sextas-feiras.


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