Conexão Itália-Espanha: Itália, Espanha e a Covid-19: lições para o Brasil

Mais do que outras, ao menos até agora, essas nações têm sentido mais profundamente os efeitos diabólicos do coronavírus

Por: Paulo Henrique Cremoneze  -  22/04/20  -  19:10

Neste espaço, muito já publiquei sobre a Itália e sobre a Espanha. Conservo um gosto profundo pelos dois países. Justificam-no, no caso da Itália, a ascendência, por que muito prezo, e, no caso da Espanha, uma intimidade quase espiritual, que me leva a amá-la; ambos os fatores me aproximam de maneira singular dessas grandes nações do sul europeu. Interesses profissionais, acadêmicos e culturais contribuem bastante. As viagens me levaram até essas terras do antigo continente e me trouxeram até a participação desta coluna; todas as vezes que a escrevi, eu o fazia de lá.


Hoje, escrevo do Brasil. E escrevo para falar do drama particular a essas grandes nações. Mais do que outras, ao menos até agora, têm sentido mais profundamente os efeitos diabólicos do coronavírus, da Covid-19.


Muitos tentam explicar os motivos que levaram os dois países a senti-los tão intensamente. Atrevo-me a deixar uma singela impressão: italianos e espanhóis foram vítimas de sua elevada qualidade de vida. Sim, isso mesmo.


Os governos de ambos países não acreditaram que a pandemia fosse devastar suas sociedades. Não adotaram medidas preventivas, em caráter emergencial, logo que se registraram os primeiros casos. Temeram mais que tudo o distanciamento social. E a peste lá encontrou campos férteis para florescer.


Italianos e espanhóis gostam de socializar. Frequentam o cotidiano dos bares, restaurantes, cafés, museus, praças. São calorosos, apreciam eventos sociais. As famílias são muito próximas, os encontros pessoais, bem frequentes. Países do primeiro mundo, desfrutavam de boas condições de vida. Os próprios idosos eram bem ativos.


Em janeiro, pleno inverno, estive em Salamanca para estudar. E impressionei-me com a quantidade de idosos, todos os dias, passeando pelas ruas da cidade, frequentando a animação dos lugares; velhinhas espanholas, bem arrumadas, desfilando seu charme de um lado a outro.


Dominados por todo esse calor vital, subestimarem a doença. Continuaram tocando suas vidas ao som da mais augusta normalidade. Foi nesse ambiente prolífico que a pandemia cresceu, avassaladora.


Os dois países possuem sistemas de saúde excelentes, eficientes, públicos e privados. Mesmo assim não conseguiram atender a todos os contagiados. Em que pesem os esforços abnegados dos profissionais da saúde, não é possível receber todo mundo. Segundo especialistas, boa parte dos mortos talvez fossem vivos se o socorro médico ao menos fosse materialmente possível. Mas o socorro ideal falhou, e por outro motivo: sobrecarga. Os sistemas de saúde da Itália e da Espanha, sobrecarregados, simplesmente colapsaram.


O número de mortos é típico de cenário de guerra. Assusta. Embora não essencialmente letal, a doença provocada pelo coronavírus assim se torna por um conjunto de fatores, reforçados sobretudo pela incapacidade de tratar todas as pessoas ao mesmo tempo. O grande perigo da pandemia reside nisto: a facilidade impressionante de contágio.


Enfim os países caíram em si. Decretaram quarentena obrigatória, imbuídos de um extremo rigor: o chamado lockdown. Faz semanas que italianos e espanhóis, povos que amam as ruas e vivem em dois dos mais belos países do mundo, ricos em história, permanecem confinados em casa. Nem mesmo a santa Páscoa puderam celebrar como de costume. Roma, a cidade que se confunde com a Igreja, viu tomadas por um vazio desolador suas igrejas sempre repletas de gente. A Espanha, famosa pelas procissões da Semana Santa, sem os fiéis externando sua fé pela elegância de suas ruas e cidades, especialmente Sevilha.


Mas penso que isso era necessário. Os resultados positivos começam a aparecer, ainda que timidamente.


Esses países terão decréscimo de 9% em suas economias, sem contar os muitos problemas econômicos e sociais infelizmente esperados. Mas seus povos são bravos, fortes, educados. O aburguesamento que a prosperidade lhes proporcionou não mudou a altivez herdada dos impérios.


Não duvido que, em breve, estarão caminhando sobre todas essas adversidades. Pranteados os mortos, curadas as feridas, levantando-se ainda mais fortes, abrirão novamente ao mundo a beleza recuperada de sua terra. Há um ditado espanhol muito apropriado para o momento: “Ancha és Castilla”. Ampla é Castela. Muita coisa há por fazer, e as oportunidades são infinitas, quando há comprometimento com o que se faz.


Espero em Deus que os países logo se recuperem, que o problema da pandemia logo se resolva. Espero que nós, brasileiros, entendamos o que se passa no Velho Mundo, para não repetir a infelicidade dos mesmos erros. Este é um tempo estranho; e a estranheza exige resiliência. É sobretudo tempo de distanciamento social e de concentração de esforços no sentido de impedir o crescimento da pandemia no Brasil. 


Deus abençoe a Itália, a Espanha, o Brasil, o mundo. E que possamos atravessar este momento com fé e determinação.


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