Você é você, eu sou eu

Você é você, eu sou eu. Importante conceito de uma parceria afetiva, na consciência de que os laços abraçam e são maravilhosos, mas também oprimem, afligem e podem sufocar

Por: Luiz Alca  -  23/08/20  -  19:23
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Tenho muito respeito e crédito pela frase do fantástico poeta austríaco Rainer Maria Rilke em relação a vida a dois, ao exaltar que cada um mantenha intacta a sua unicidade “é respeitando a saudável solidão do outro que eu protejo a minha”.


Depois que alguns encontros com a maturidade aconteceram na minha vida, passei a admirar essa preservação do individual como fundamental para que duas pessoas possam viver juntas ou manter uma relação de amor, carinho, troca. Na base do um e um e não daquele terrível dois em um ou de uma integração que tire completamente a personalidade dos parceiros a ponto de serem chamados “eles”, “o casal” ou o que é ainda pior “a Maria do Francisco”, como ainda acontece nestes tempos pós-emancipação.


Há duas semanas, depois de uma apreciação sobre os laços e sufocos causados pela separação, que é diferente da perda, por tratar-se de um afastamento reversível, recebi um belo texto de um amigo que tem tudo a ver com isso. Antes esclareço que mesmo deixando vínculos e laços, não possui o implacável da impotência ou do ter perdido e nada tem a ver com o abandono, este muito mais doloroso do que a perda e que provoca desespero absoluto. 


E ainda insistindo no quanto o afastamento é importante para os relacionamentos humanos, em termos de cada um desenvolver os seus projetos, de abrir caminhos próprios e trazer certo ar de renovação para a parceria.


Trata-se da “Oração da Gestalt-terapia” de Fritz Perls, bastante usada em terapia de casais. Diz “Eu faço as minhas coisas e você faz as suas. Não estou no mundo apenas para viver de acordo com as suas expectativas. E você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Você é você, eu sou eu. E se assim nos encontrarmos será lido. Se não, nada há a fazer”.


É tão importante essa conscientização de um casal em qualquer hora da vida em comum. Não apenas na juventude em seus arroubos e ânsias de liberdade, mas também quando estamos mais velhos. Confesso e dou a mão à palmatória sobre algo que negava com veemência e que aconteceu comigo neste outono da existência: com a idade temos uma tendência a centralizar o amor e o interesse nas pessoas que nos rodeiam na busca da segurança e da certeza e vamos fechando o leque.


O que é muito perigoso, porque não só relegamos projetos próprios, como não expandimos o sentimento para outras pessoas, muitas sequiosas de nos passar o que os nossos queridos não podem no momento ou que caiu no cansaço do repetido. É preciso cuidado para não se prender à gaiola dourada ou ver ouro em outros espaços.


Você é você e eu sou eu. Importante conceito de uma parceria afetiva, na consciência de que os laços abraçam e são maravilhosos mas também oprimem, afligem e podem sufocar, comprometendo nossa visão mais ampla para a grandeza universal. 


Precisam ser afrouxados para que a sagrada identidade não seja perdida. E aí, creiam não desatam facilmente.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 6


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