Uma aventura e tanto

Sem dúvida, pensar e questionar, buscar o autoconhecimento e não fingir que nada acontece diante das sombras que assolam o psiquismo é uma aventura e tanto

Por: Luiz Alca  -  25/10/20  -  20:08
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Vira e mexe, sou obrigado a ouvir de pessoas, de quem não cobro qualquer envolvimento com o intelecto, não só porque não me cabe, não tenho esse direito, já que cada um faz o que quer e pelo impróprio do local e situação, a frase batida e rebatida “sou uma pessoa prática”.


O que invariavelmente vem acompanhado da explicação “sabe, não esquento a cabeça com questões elaboradas, deixo as coisas acontecerem, quando surgem, eu traço”. Sempre tenho vontade de perguntar – e o fiz algumas vezes, deixando a pessoa confusa e criando certo constrangimento – “quer dizer que sua vida é uma teoria?”.


Mas não o faço mais e me calo, com um meio sorriso, talvez amarelo. Cansei de levantar bandeiras ou defender idéias além do razoável e do sentir, ao menos, uma leve reciprocidade. Não adianta dar murro em ponta de faca como diziam nossas avós e nem argumentar com quem mantém princípios fechados e precisa ser dono da verdade, radical, intransigente, para garantir a sustentação. Precária, é claro.


Ao inquirir dessas pessoas que se dizem práticas se olham a sua vida como uma teoria, pretenderia chamá-las para a mais lúcida realidade existencial: o que há de mais prático em nosso cotidiano do que questionar os quadros mentais, o que inclui imaginação, criatividade, potência e aptidões, para resolver os fatores e exigências de um dia-a-dia cada vez mais complicado?


Será que é tão difícil entender para os práticos rotulados que a maior aventura que vivemos é a intelectual? Os riscos e peripécias que enfrentam aqueles que ousam pensar e que, com bravura e garra, não abrem mão da capacidade de refletir e analisar, instrumentos contra o domínio e a mediocridade e que se esconde nos recônditos mais escuros e indecifráveis de todos nós?


Dia desses, um amigo muito inteligente me chamou a atenção quando afirmei não apreciar nem como espectador os esportes radicais, rebatendo “quer esporte mais radical do que aquele que você pratica constantemente, o descer ao porão e se encontrar com os fantasmas?” E seguiu “sem medos, enganos e arriscando a chamar tantas pessoas para acompanhá-lo nisso?”.


Realmente, os que ficam nessa prática, julgando-se tão simples quanto resolutos, tão concretos quanto definidos, acabam se perdendo nas circunstâncias que não dependam do externo e da imagem sobre a imagem e peçam interpretação, que precisam ser decifradas além da razão imediata. É o que mais vejo acontecer.


A dificuldade de compreender um filho adolescente ou jovem quando apresenta um quadro depressivo, de sentir a ansiedade e a angústia de um parceiro sem que haja um ponto aparente. Além de nada ajudar uma pessoa próxima e amada, ainda saem com aquelas frases preciosas “não vejo motivo para estar assim”. Como se houvessem motivos prosaicos ou ele fosse dono da mente de alguém.


Sem dúvida, pensar e questionar, buscar o autoconhecimento e não fingir que nada acontece diante das sombras que assolam o psiquismo é uma aventura e tanto. Talvez a mais ampla em sendo o ser humano, de uma complexidade magnífica e indecifrável a olho nu.


Logo, práticos somos nós que nos aventuramos no pensamento e no intelecto.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 44


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