Quando os pais envelhecem

Quando os perdemos é que tomamos a real consciência disso. A desvalia é para sempre por mais que se entenda o Movimento Universal que o Senhor da Vida nos coloca à frente

Por: Luiz Alca  -  16/08/20  -  12:10

Vejo muitos filhos com dificuldade de lidar com o envelhecimento dos pais e como essa troca de papéis, que o tempo exige dessa linda e pelo grau de intimidade e caráter sanguíneo, complexa relação: o momento em que os pais viram filhos e estes, a exercer o papel inverso.


A maioria, não acostumada a cuidar e sim, a sempre receber carinho, apoio, retaguarda, passam por um sentimento estranho e incompreensível, situado no pré-consciente: a traição da vida, não só por não terem mais o colo, como por precisar re-significar a situação.


Interessante que mesmo os que têm seus próprios filhos e até netos, demonstram isso a quem os observa e admira a força e a amplidão do comportamento humano. Aliás, vejo com atenção, como muitos amigos, excelentes e cuidadosos progenitores, não correspondem da mesma forma aos pais e se ressentem de também cuidar deles.


Quando se entregam, com honrosas exceções, vêem-se como figuras martirizadas e injustamente marcadas e quando não, de um modo geral, a não ser aqueles cuja consciência não aponta (o que não é bom), acarretam o peso da culpa, que mais tarde se transformará no tirano remorso. Que Deus nos livre dele!


Semana passada, me deparei com uma situação, hoje bastante comum em nome das solicitações profissionais e da falta de cuidadores competentes, além das dificuldades para bancá-los: o filho que internou a mãe no que chamou de “casa de descanso”, nitidamente para suavizar seus fantasmas. Ele precisava justificar para si mesmo a atitude e deixei-o falar à vontade, na certeza de que dialogava com ele, tendo a mim, apenas como a segunda voz.


Percebi que mais do que a culpa voraz, ele temia perder o espelho de um cara legal, a imagem de um homem bom, correto, cumpridor de seus deveres; imagem essa que o sustenta e que o faz enfrentar todos os percalços para se ver como um chefe de família quase exemplar.


Horas em que as explicações e tentativas de ajudar a reformular são precárias, ainda que não possa haver omissão; aliás, quem somos nós para determinar certezas ou julgar? Cada um sabe de seus motivos para agir e precisa convencer-se que são valorosos. Eis por que é preciso cuidado com as palavras nessas horas.


Realmente não é fácil lidar com os momentos de decrepitude dos pais, principalmente de buscar o equilíbrio entre dar-lhes o necessário apoio, o calor humano preciso, o afeto íntegro e não fazê-los dependentes, em não anular o que lhes resta de energia, vitalidade, independência, individuação.


Estar presente e segurar as pontas, mas ao mesmo tempo, dar uma sacudidela de vez em quando em nome de estimular o que ainda há de vida livre dentro deles para que não se perca o sonho da evolução e se espere o fim, na sombra do medo e da desistência.


Para que se consiga essa façanha é necessário lembrar de tudo o que já recebemos, de quanto eles nos amaram com intensidade e doação, até muito mais do que os próprios filhos e que talvez seja esse amor, o único realmente incondicional.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 46


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