Perdas obrigatórias

Uma das maiores vantagens de se perceber essas perdas obrigatórias, além do senso razoável do pertencimento e não a cegueira de uma união, é o não precisar estar sempre na defesa como um reativo crônico

Por: Luiz Alca  -  30/08/20  -  14:23
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Tenho insistido com alguns pais de jovens com que converso sobre a importância de mostrar para os filhos, o que a sociedade consumista e utilitária atual, faz questão de esconder, evidentemente, para conseguir manipular essa galera que hoje se julga tão livre e segura: que perder faz parte do jogo e que não existe escolha ou caminho que não comporte essas perdas. Tudo o mais é engano.


Mas está difícil, muito difícil, num mundo de superficialidade e êxitos fugazes, quando as redes sociais acabam sendo veículos de convencimento interesseiro, a serviços dos grupos financeiros majoritários e frios.


Cujo sucesso e hegemonia é exatamente esse: fazer crer aos jovens, que em sua maioria quase absoluta busca o caminho mais fácil, aquele que inclui o “se dar bem”, que seguindo o que lhes propõe, não errarão, seguindo um caminho de seqüentes sucessos profissionais e pessoais, criando uma falsa autoconfiança. O que levará a uma crueldade: a de desabar no meio do caminho sem chances de recuperação, à medida que faltarão elementos da verdadeira garra, formada na consciência das perdas, no preço a ser pago por cada opção.


Que nada tem a ver com pessimismo e muito menos, com desânimo e sim, com a lucidez dos que conseguem enfrentar a realidade, sem se segurar em falsas compensações. Uma das clarezas do viver: não há vitória total e nem ganho absoluto; senão nenhuma escolha teria o valor do livre arbítrio e tudo cairia nesse comezinho maniqueísmo que divide o mundo em bem de um lado e mal do outro. Medíocre, pobre, sem argumentos ou interpretações.


Em tudo há perdas, repito, e é o que ajuda a diminuir a obsessão de querer controlar, assim como deixa claro o quanto é precário o julgamento da onipotência. Ter filhos, formar uma família, é maravilhoso, mas toda mãe ou pai que não se deixa envolver no meloso da instituição, sabe que alguma coisa sempre perde nesse lindo ofício, inclusive a liberdade de fazer coisas de seu agrado.


O mesmo acontece num relacionamento a dois, cheio de amor, troca, compreensão. Vale demais a pena, sem dúvida, ilumina a dupla existência, mas negar que haja alguma perda pessoal é negar o efetivo da relação, a humanidade que faz tudo muito mais bonito! Logo, não existe casamento perfeito e nenhuma relação em que não haja algum fragmento ou dificuldade.


No campo profissional, então nem se fala. Adoro o que faço na multiplicidade de funções que exerço; agradeço aos céus todos os dias, o privilégio de trabalhar no que gosto e me gratifica, mas ainda assim há perdas e negar isso seria tapar o sol com a peneira: quantos programas culturais e de lazer eu perco por falta de tempo, pelos horários que colidem, pela impossibilidade de estar aqui e lá ao mesmo tempo. O que não diminui o prazer do trabalho escolhido, muito pelo contrário, dá um sabor especial.


Uma das maiores vantagens de se perceber essas perdas obrigatórias, além do senso razoável do pertencimento e não a cegueira de uma união é o não precisar estar sempre na defesa como um reativo crônico (mania de perseguição), defendendo tudo que pode ameaçar as falsas certezas.


Eis o viver conciliado, usufruindo os ganhos e aceitando as perdas.


*Texto publicado em 29/8/2015 na revista Luiz Alca Crônicas, página 12


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