Ao pé da letra

É muito perigoso se levar tudo ao pé da letra, realmente. Não só porque se cobra uma coerência que não existe e nem cabe nas situações, como também porque não se analisa caso a caso, momento a momento

Por: Luiz Alca  -  22/11/20  -  15:40
Atualizado em 19/04/21 - 17:47
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

Tenho notado o quanto as pessoas levam tudo ao pé da letra, no mais absoluto literal. O que acaba se tornando muito perigoso porque gera conclusões precipitadas e errôneas, senão falsas.


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O meu primeiro mestre de Filosofia, no então curso clássico do Colégio Canadá, o memorável professor Itagiba, repetia um be-a-ba comportamental que vim a aproveitar depois, em meu trabalho “a clareza e a objetividade não dispensam interpretações” ao nos apresentar, garotos e garotas de 15 e 16 anos, o calhamaço que era o livro “Lições de Filosofia”, de Regis Jolivet, a cartilha de iniciação apaixonada de quem ama filosofar.


Sem dúvida, é preciso não confundir a clareza com que se aborda um assunto em termos de gosto, preferência e posição, do interpretar o momento em que foi dito, as circunstâncias envolvidas e o que se pode ou não generalizar. Senão cai tudo no preto e no branco, no certo e no errado, mergulhando de cabeça no maniqueísmo, o caminho para se fechar questão.


Vejamos: não é porque eu afirmei uma vez aqui na página que adoro receber uma carta ou mensagem manuscrita, que abomino ou desprezo o que vem pela internet. Por favor! Não há necessidade das pessoas pedirem desculpas por fazê-lo, até porque eu também me utilizo e-mail o tempo todo. Apenas adoro caligrafia e até hoje guardo os meus cadernos do que era chamado curso primário e graças aos esforços das professoras da infância, tenho uma letra bonita, modéstia à parte e escrevo bem à mão. 


Também não é porque eu afirmo não ter disciplina para freqüentar uma academia, pratica muito saudável por sinal, que sou um sedentário de carteirinha, a ponto das pessoas se admirarem ao me encontrar caminhando à beiramar ou no calçadão. “Ué você não disse que detestava exercícios?” Claro que não foi isso, elas é que generalizaram...


Ou diante de uma colocação de que geralmente não frequento barzinhos  por falta de tempo e porque não tomo cerveja e apenas aprecio vinho nos fins de semana e que nesses lugares, o prazer é o chopinho com acompanhamentos, o susto e a cobrança por me encontrar num deles num dia perdido. Não há regra fixa ou compromisso assinado, por favor. E só porque um dia afirmei preferir ler o jornal impresso pela manhã ao invés de lê-lo no computador porque sinto necessidade do cheiro, de segurá-lo, alguém impediu um terceiro que estava para me passar um texto do jornal francês Le Monde, sobre comportamentalismo em similaridade, o que me interessa muito, sob a justificativa de que eu jamais leria. Pode?


É muito perigoso se levar tudo ao pé da letra, realmente. Não só porque se cobra uma coerência que não existe e nem cabe nas situações, como também porque não se analisa caso a caso, momento a momento. Assim como se avalia errado, os desabafos. 


Não é porque se tem um momento de emoção e saudade, que estamos tristes ou deprimidos e nem é porque demonstramos a humana irritação que estamos necessariamente com raiva ou contra o mundo.


Peçam clareza e objetividade, sim, mas retribuam com interpretações. Eis uma delicadeza inteligente.


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