Almas Ressentidas

Há muitos sofrimentos que são escolha própria. Doris Lessing, a notável escritora inglesa afirmava que “há prisões que nós mesmos escolhemos para viver” e o ressentimento é um deles

Por: Luiz Alca  -  04/10/20  -  19:47
Atualizado em 19/04/21 - 17:47
  Foto: Imagem ilustrativa/Unsplash

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche costumava dizer que nós sonhamos com um sol que apenas nos aqueça, com pessoas que se preocupem só com o que a gente sente, com deuses que respondam só a nós, com estrelas cujo brilho apenas nos iluminem. Quando descobrimos que não é assim, entramos em ressentimento. Daí sua magnífica tese sobre Moral de Ressentimento que domina tanto a sociedade.


Logo, o que é o ressentimento? É você achar que todos deveriam fazer mais do que fazem, te amar mais do que amam. Não se pode dizer que é uma sensação furada, sem qualquer razão, mas é um sofrimento inútil, porque vem de um sentido negativo que não se apagou, que volta para nos atormentar. Note-se a partícula “se” que define a imagem de uma mágoa que retorna porque não cessou de vez e em sendo assim, judia do nosso emocional.


Quando abordei o tema como aula, há algum tempo, assim que o anunciava , alguns participantes logo diziam “eu tenho nenhum ressentimento, felizmente”. Ao final, eram os primeiros a vir a mim e desdizer a afirmação. E olhe que isso aconteceu praticamente em todos os meus grupos.


De um jeito ou de outro, ninguém se livra de algum ressentimento, até porque ninguém é tão bem resolvido assim para que possa estar com a mente e alma, completamente livres. Talvez o mais importante seja perceber e deixar-se sentir, naquela importante intimidade com os nossos dramas, com as misérias e grandezas, altos e baixos. Num desses momentos íntimos, podemos entender que o lamento que volta regularmente é a própria vingança de quem se julgou atingido. É quando se cria na consciência uma culpa para o outro, uma espécie de peso alheio que acaba por cair sobre si mesmo. Bravo, mas importante descobrir.


Tenho topado com almas muito ressentidas, pela própria condição profissional e pelo fascínio em analisar comportamentos e sempre que posso, indiretamente, dou um toque, mostrando que é preciso muito cuidado com nossos sentimentos no segmento melindres e caprichos. Para não se acabar usando a maravilha da emoção para servir ao menor.  Interpretando de forma errônea como levar ao pessoal, uma crítica que se faz na tentativa de um melhor resultado. Gente como acontece no cotidiano funcional e mesmo nas relações sociais!


Sofrer, sofremos todos em muitos momentos, mas há alguns que cultivam sufocos e acabrunhamentos. Disso não tenho a menor dúvida. Há muitos sofrimentos que são escolha própria. Doris Lessing, a notável escritora inglesa afirmava que “há prisões que nós mesmos escolhemos para viver” e o ressentimento, essa angústia que volta é um deles.


Eis porque precisamos lutar contra por mais que seja difícil. Guardar ressentimentos é, no mínimo, insensato. Uma dor passiva processada no ego pela educação, por pressão da sociedade, da censura, da raça, de valores deturpados.


Portanto, vamos fazer de tudo para curar a alma dessa dor perdida.


*Texto publicado em 29/8/2015, na revista Luiz Alca Crônicas, página 32


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