'Soteldo não foi uma contratação. Foi uma enganação que fizeram com o outro time', diz Rueda

Em entrevista para ATribuna.com.br, o presidente eleito fala sobre o futuro do venezuelano, Luan Peres e outros diversos assuntos

Por: Bruno Lima  -  20/12/20  -  10:40
Andrés Rueda venceu as eleições do Santos em todas as urnas presenciais e no voto on-line
Andrés Rueda venceu as eleições do Santos em todas as urnas presenciais e no voto on-line   Foto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Eleito presidente do Santos para o triênio 2021-2023, Andrés Rueda falou com exclusividade para ATribuna.com.br sobre a situação de atletas como Lucas Veríssimo, Luan Peres, Soteldo e Robinho, além de todos os problemas financeiros que a partir de 1º de janeiro passarão a tomar conta do seu dia a dia no comando do Peixe.


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O senhor comentou que a proposta de 6,5 milhões de euros feita pelo Benfica por Lucas Veríssimo, com pagamento parcelado em cinco anos, era um insulto. Essa declaração repercutiu em Portugal. O que seria um insulto: o valor ou a forma de pagamento?
O pagamento em cinco anos. A impressão que dá é que não estão respeitando o Santos, uma das principais equipes do mundo. Independentemente do valor, você colocar no papel que o pagamento será feito em cinco anos, me desculpe, é completamente descabível. Foi nesse sentido que falei que a oferta era um insulto. Infelizmente, a situação financeira do Santos foi muito externada. As pessoas sabem que o Santos está passando por um momento econômico ruim, mas isso é momentâneo. O pessoal, quando vem negociar com o Santos, sabe que estamos com as finanças delicadas e acha que vamos aceitar qualquer coisa. Não é assim. O Santos terá que ser respeitado. A maioria dos clubes já passou por isso ou vai passar.


O valor da oferta, então, é bom?
Não entrei no mérito do valor. Futebol é muito subjetivo e há uma série de coisas em discussão, como a vontade do jogador de ir embora e a falta ou não de outras propostas, mas o que realmente não está de acordo é essa forma de pagamento. O que se espera numa situação dessas? Que quem vende o jogador antecipe esse dinheiro. Só que, para antecipar, é necessário dar um caminhão de descontos a quem está fazendo essa antecipação. Então, você não está vendendo pelo valor nominal. Após um monte de descontos, isso vai resultar num valor irreal. Seria mais fácil o Benfica fazer um financiamento no banco, depositar ao Santos à vista e pagar ao banco por cinco anos.


Nos últimos meses, o presidente Orlando Rollo falou por diversas vezes que o Santos está com o chapéu na mão. O senhor acredita que isso tem prejudicado o Santos?
Não foi só o Rollo que fez isso. A outra gestão (José Carlos Peres) também falava. Eu não quero julgar se eles estão certos ou não, mas posso dizer que essa é uma postura que não quero adotar. Roupa suja se lava dentro de casa. Os sócios e os conselheiros precisam ter transparência. Porém, não posso falar para o mundo inteiro que a gente está com problemas financeiros, tampouco que estamos multimilionário. Qualquer uma das duas posturas é ruim. O mundo dos negócios é assim e, infelizmente, essa é a selva capitalista. Se você sabe que o outro se encontra em situação inferior, você tenta levar vantagem. E isso não é uma crítica ao presidente do Benfica. A gente precisa devolver o respeito ao Santos. Tivemos a imagem arranhada. Todos sabem que temos pendências na Fifa, mas não vão tirar proveito disso.


O Santos passou praticamente todo o ano de 2020 proibido de contratar. O senhor acredita que, já no primeiro ano do seu mandato, o clube voltará a fazer aquisições?
Primeiro, vamos analisar: por quais motivos o Santos está nessa situação? Por irresponsabilidade e incapacidade de gestão dos antecessores. Compramos um jogador (Felipe Aguilar) e nos comprometemos a pagar por ele, mas não pagamos. Depois, vendemos esse mesmo atleta e continuamos sem pagar ao clube que nos vendeu. Isso é um absurdo. Nós compramos o Soteldo há quase dois anos e não pagamos um tostão por ele. Nem as luvas dele o Santos pagou. Isso não existe. Agora, estamos nessa situação de honrar ou simplesmente desfazer o negócio, achando que foi feito um empréstimo sem custos. Mas, na verdade, não era isso que a gente queria. Nós gostaríamos de continuar com ele. É um atleta que tecnicamente está indo muito bem e esso tipo de coisa não pode acontecer. Para ter credibilidade no mercado, você só pode fazer acordos com garantia de que vai conseguir pagar. Do contrário, o mercado passa a não acreditar em você. Na nossa gestão, com certeza isso não vai ocorrer. Agora, as surpresas que a gente tem a cada dia, como recentemente, com o Santos perdendo o caso Gabigol para o Barcelona por não ter dado a prioridade de compra a eles, são um erro inaceitável. E isso traz uma paulada de R$ 18 milhões para pagar. Havia um documento que alertava para não vender. Venderam! A Justiça tarda, mas não falha. Serão R$ 18 milhões jogados no lixo.


Essa e outras pendências financeiras vão cair no seu colo. Como resolver?
Não tem como resolver. Quando aceitei me candidatar, estava ciente do que podia acontecer. Então, não adianta mais eu reclamar do passado. Tenho que estancar para que não aconteça mais e pensar em um jeito de negociar. Estou pegando o ativo e o passivo do clube. Essas multas são do clube e a nossa gestão vai ter que dar um jeito de conversar, fazer acordos e pagar. Não tem como. Nesse caso do Barcelona, infelizmente, não adianta brigar. 


O ex-presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello não se preocupou com títulos e optou por organizar as finanças do clube carioca. O senhor pensa em executar política semelhante?
A gente tem que admirar o que o Bandeira fez no Flamengo. Só que temos que entender a situação. Ele não foi um gênio das finanças nem teve ideias mirabolantes. Só fez o que tinha que ser feito. Não precisa ser um gênio para saber que você não pode gastar mais do que recebe. Se gastar mais do que arrecada, um dia a casa cai. É obvio que se você tem dívidas, precisa renegociar, pedir mais prazos e menos juros. O que o Bandeira fez com maestria foi ser um excelente executor. Adequou receitas com despesas. Por exemplo, no Santos, temos cerca de R$ 140 milhões de dívidas trabalhistas. Temos que ir ao Ministério do Trabalho e no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) para falar: 'devo, não nego, mas não tenho como pagar. Temos que fazer um acordo'. E eles fazem acordos. Ninguém tem ideia de quebrar o clube. O que o Bandeira fez foi destinar uma parte da receita bruta do Flamengo, não lembro se 2% ou 3%, para pagar a dívida trabalhista. Todo mês ia descontando isso. Não tem milagre.


Isso significa que o Santos passará por alguns anos com times modestos?
Apertar o cinto e gastar menos do que se arrecada não significa que não vamos ter um time competitivo. Quer dizer que não podemos errar em contratações pontuais. Não podemos errar em contratações como a do Cueva, com o valor e os salários pagos para ele. Com muito caixa facilita, mas não há garantia de que você vai ser campeão. E com pouco caixa dificulta, mas não há garantia que não consiga disputar títulos. A missão do Santos é brigar pela conquista de qualquer torneio que dispute. Temos a obrigação de lutar por isso. Se vamos conseguir ou não, é do futebol.
 


Andrés Rueda assume a presidência do Santos no próximo dia 1º de janeiro
Andrés Rueda assume a presidência do Santos no próximo dia 1º de janeiro   Foto: Divulgação

O senhor fala em polir a imagem do Santos, que está muito arranhada. Na prática, o que será feito? Como mostrar para o mercado que as coisas mudaram?
Primeiro: passando credibilidade. Os patrocinadores e credores precisam voltar a acreditar no Santos. Acreditar que, quando sentam na mesa com o Santos, a relação comercial será transparente e aquilo que for fechado será cumprido. Em paralelo, você vai ter muito trabalho. Não é só lapidar a imagem. Isso demora. A gente vai ter que criar canais com a torcida e com os sócios. O Santos pecou muito nisso. Deixou de ouvir os seus sócios, que na verdade são os donos do clube. Eu preciso ouvir o sócio e a torcida. Chega de ficarmos do lado de cá da mesa, tentando adivinhar o que o sócio e a torcida querem. É mais fácil fazer uma pesquisa e entender os motivos fazem eles não abraçarem o clube no estádio. E, a partir dessa pesquisa, buscar maneiras de modificar essa realidade. Outra coisa: por que o sócio está sempre descontente com o Sócio Rei? Entendendo qual é a demanda, consigo abrir projetos para atendê-los dentro do possível. Fora isso, tenho que fazer uma nova fonte de receitas. A gente não pode mais viver só de televisão e patrocínio eventual, até porque os patrocinadores abaixaram muito os patamares. Temos que ir atrás. O futebol está mudando. Hoje não é só mais uma partida de 90 minutos. Lá fora, sobretudo, já estão inserindo o futebol na indústria do entretenimento, com conteúdos. Muitas vezes têm pessoas mais interessadas em acompanhar o pré-jogo, o vestiário e aquela situação toda do que a partida em si. Tem gente que quer ver os melhores momentos ou apenas os gols. É obrigação nossa gerar conteúdo e monetizá-lo. 


Desde 2018 o Santos não tem um patrocinador master. O senhor acredita que esses recursos entrarão no clube na sua gestão?
Não estamos parados. Fiz questão de montar um perfil técnico no nosso Comitê de Gestão e uma das missões é ir atrás de um patrocinador. 


Condenado em segunda instância pela Justiça italiana, o Robinho segue com o contrato suspenso no Santos. Ele procurou o senhor após a eleição?
Não! E na verdade não teria motivos para procurar. Não canso de falar. O  presidente atual do Santos é o Rollo. Só assumo em 1º de janeiro. No meu pensamento, a melhor coisa para as duas partes é colocar um ponto final. Qualquer tipo de apelação que ele possa vir a fazer vai levar pelo menos um ano. Queira ou não, não é bom para a marca Santos esse assunto ficar girando na imprensa. É hora de acalmar, colocar um ponto final, porque vai ser bom ao Santos e ao Robinho. Ele sempre será nosso ídolo, alguém de quem a gente gosta muito, mas essa relação já foi. Uma pena que seja com esse desfecho.


O Luan Peres tem contrato até 31 de janeiro e os direitos federativos fixados em 5 milhões de euros. Existe chance de mantê-lo no Santos?
É muito bom entender que essa situação financeira nossa é passageira. A gente não vai ficar sempre nisso. Posso garantir. Vamos dar a volta por cima e voltar a comprar jogadores de nível, mas com aquisições bem analisadas. Nesse momento, não podemos mentir para o torcedor. O clube não tem dinheiro para fazer uma contratação desse porte. Lógico, a gente gosta muito do Luan e faremos de tudo para renovarmos esse empréstimo até o final da temporada ou por um período até maior. Fora isso, é esperar que a gente reverta essa situação e nosso caixa passe a suportar uma aquisição desse porte no futuro.


O que o senhor vai fazer com Soteldo? Há planos de comprá-lo ou o assunto está resolvido e ele será devolvido ao Huachipato?
De novo, não dá pra mentir ao sócio. A gente não tem condições de comprar o Soteldo. Como não tínhamos quando o trouxemos. Ficamos dois anos com o jogador sem pagar nada. O torcedor tem que entender. Aliás, o Soteldo não foi uma contratação. Foi uma enganação que fizeram com o outro time.


Qual será o perfil das contratações do Santos, principalmente no seu primeiro ano de gestão, quando a questão financeira ainda será um problema?
O perfil está claro. Primeiro que quem tem que apontar em quais posições a nossa equipe está carente e a nossa base não vai conseguir suportar é a parte técnica. A partir do momento que a parte técnica nos mostrar uma carência, a gente vai submeter o jogador indicado para nossa área de inteligência e scout. E essa área tem que ser do clube e não do técnico. Eu quero saber se o nosso funcionário entende que o jogador pedindo é bom. Após isso, o segundo ponto será a análise clínica profunda. Não é só chegar, pedir para o jogador falar 33 e está tudo certo. É ver o histórico de lesões e cirurgias. Quero também a avaliação psicológica dos atletas. Será que o jogador pedido tem um comportamento adequado na sua vida social? Nós estamos comprando um ativo e não podemos vê-lo se desvalorizar por atitudes extracampo. Passou disso, vamos para a área financeira. Cabe no nosso orçamento? O salário pretendido está dentro das despesas ordinárias? A gente pode gastar sem comprometer a equação receita/despesa? Se algum quesito desse não for preenchido, vamos avisar ao treinador que o Santos não tem condições de comprar esse jogador. Se isso tivesse sido feito, não teríamos comprado Cueva, Cléber Reis e outros. Não temos que agradar ao técnico, mas sim ao clube.


Recentemente, o presidente Orlando Rollo manifestou o desejo de ver o Santos disputando o Novo Basquete Brasil (NBB). Como ficarão os esportes olímpicos a partir de 1º de janeiro?
Pelo estatuto, os esportes olímpicos precisam ser ventilados. Mas na atual situação, não podemos desviar os poucos recursos que temos para sair das funções principais. Não é o fim. O governo permite que os clube se utilizem de incentivos fiscais para promover esportes olímpicos, paralímpicos, futebol feminino e até a base. É só levar o projeto bem fundamentado que conseguimos, por meio de recusas fiscais, recursos financeiros. Os clubes não fazem isso porque tem que comprovar que está sendo feito. Nós pretendemos fazer isso para prestigiar os esportes olímpicos.


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