'Protestos contra o racismo no Brasil resultariam em mais negros mortos', diz o ex-goleiro Aranha

Vítima de preconceito em jogo contra o Grêmio, em 2014, o ex-arqueiro comentou o caso George Floyd

Por: Bruno Lima  -  05/06/20  -  12:13
Aranha entende que atualmente os negros fazem mais denúncias contra o racismo no Brasil
Aranha entende que atualmente os negros fazem mais denúncias contra o racismo no Brasil   Foto: Ivan Storti/Santos FC

Goleiro do Santos de 2011 a 2015, Aranha, hoje aposentado, viveu na pele um caso de racismo explícito no futebol brasileiro em 2014. Na ocasião, o Peixe enfrentava o Grêmio pela Copa do Brasil, em Porto Alegre, e o arqueiro foi alvo de ofensas raciais proferidas por torcedores gremistas. Indignado, ele protestou e marcou um ponto importante na luta contra o preconceito. Seis anos depois, em entrevista para ATribuna.com.br, o ex-jogador fala sobre a onda de protestos nos Estados Unidos em razão do assassinato de George Floyd, o combate ao preconceito no Brasil desde o episódio em que foi personagem e a alienação de autoridades brasileiras em relação ao assunto.


Como você vê essa onda de protestos contra o racismo nos Estados Unidos e em outros países?
Eu vejo com tristeza, porque eles estão há mais tempo, e à frente do Brasil, na luta contra o racismo, e mesmo assim não superaram, estão longe de superar o racismo.


Você acredita que a partir do caso George Floyd o racismo será combatido com mais afinco ou, com o passar do tempo, o preconceito seguirá como sempre?
Não é a primeira vez que isso acontece lá, e também não podemos nos enganar com essa repercussão toda, porque se não tivessem filmado seria apenas mais um para as estatísticas.


Recentemente, tivemos a morte do jovem João Pedro, de apenas 14 anos, dentro da sua casa no Rio de Janeiro. O caso gerou manifestações, mas nada perto do que acontece nos Estados Unidos. Tivesse o caso George Floyd ocorrido no Brasil, a revolta dos brasileiros seria semelhante à dos americanos? Por quê?
Não, porque os Estados Unidos estão em outro estágio e momento. Você observa que lá pessoas brancas fizeram barricada para que o protesto não acabasse com mais derramamento de sangue. Já no Brasil, uma onda dessas resultaria em mais negros mortos, feridos e presos, enquanto os racistas estariam rindo dentro de suas casas ou promovendo atos de vandalismo nas ruas para deslegitimar o protesto a favor dos negros.


Você foi vítima de racismo explícito em 2014 durante uma partida de futebol. Com tudo ao vivo. De lá pra cá, vê alguma mudança de comportamento no Brasil sobre esse preconceito?
Sim, vejo. Hoje se fala e se debate mais o assunto. Os negros passaram a fazer mais denúncias e estão mais confiantes em exigir seus direitos, mesmo que tentem rotular essas denúncias como vitimismo ou mimimi, que são duas expressões muito usadas pelos racistas.


"O nosso Governo Federal tem atrapalhado e banalizado o racismo", afirma Aranha   Foto: Ivan Storti/Santos FC

Temos visto um envolvimento grande de atletas da NBA no caso George Floyd. No Brasil, falta um engajamento maior e constante de atletas de futebol e de outros esportes no combate ao racismo? 
O Brasil sempre tentou abafar o seu passado. As pessoas não falavam sobre o assunto. Muitos negros não sabem o que é o racismo estrutural, então não podemos cobrar um posicionamento de pessoas que não conhecem a sua história. Elas não teriam argumentos sólidos para o enfrentamento. Mas penso que podem colaborar demonstrando indignação.


Você consegue entender como é possível existir racismo no Brasil, sendo que grande parte da população é negra e parda?
É simples. Assim que a Lei Áurea foi assinada, uma minoria que dominava o País passou a criar obstáculos para que o negro não tivesse chances de mudar sua condição. Então, muitas famílias sobrevivem até hoje nesse sistema em que quase 100% do salário recebido pelos negros é gasto ou entregue em mãos brancas.


Na sua opinião, as leis brasileiras são frágeis para quem comete crimes de racismo e por isso o preconceito não é combatido adequadamente?
O racismo só pode ser combatido por quem não é racista. Então, é necessário que pessoas brancas também façam parte do combate se quisermos ter um País melhor, com mais segurança, melhor mão de obra e discernimento para um voto consciente.


O atual governo federal tem feito algo para mudar a questão do racismo no Brasil?
Não, muito pelo contrário. Tem atrapalhado e banalizado o problema. Não vou entrar no mérito se a ideologia é de esquerda ou direita, porque nos dois lados existe racismo. O problema é que os racistas, em sua maioria, se posicionaram como sendo de direita. O fato é que o racismo inviabiliza o progresso do País. 


Incomoda não ver um negro entre os ministros do governo?
Acho que o meio político estava ou está tão sujo que não atrai os poucos negros bem-sucedidos ou preparados para se interessarem pelos cargos políticos. Além disso, os partidos também não indicam negros para posições de protagonismo político. Isso só ocorre por jogada política.


Logo A Tribuna
Newsletter