'Tenho convicção de que qualquer técnico que assumisse o Flamengo se sairia bem', diz ex-Galo

Nascido em Santos, técnico Rodrigo Santana fala sobre experiência no futebol mineiro e busca espaço no mercado

Por: Sandro Thadeu & Da Redação &  -  07/01/20  -  13:39
Aos 37 anos, ainda jovem, Santana possui vários trabalhos na carreira
Aos 37 anos, ainda jovem, Santana possui vários trabalhos na carreira   Foto: Matheus Tagé/AT

Em um momento no qual o debate sobre treinadores monopoliza o futebol brasileiro, o santista Rodrigo Marques de Santana busca espaço no mercado. Aos 37 anos, ainda jovem, mas com vários trabalhos na carreira, ele viveu um grande aprendizado em 2019, quando assumiu o Atlético-MG, após a demissão de Levir Culpi, em abril. Com o time oscilando demais, Santana foi dispensado em outubro. Mas a experiência ficou, como ele revela na entrevista a seguir.


Muita gente que viu você no comando do Atlético-MG não sabia que você era de Santos. Como foi sua trajetória aqui na Cidade?


Eu fui nascido e criado no Saboó. Foi lá onde comecei a jogar bola. Comecei na escolinha do Portuários e, com 13 anos, comecei a jogar no Santos, como centroavante. Naquela época, a gente ainda tinha aquela cobrança forte dos pais para priorizar os estudos. O treino no Santos era de manhã, assim como a escola. Então, tive de abrir mão de lá e, para não ficar sem jogar, fui para o Jabaquara. Fiquei três anos no Jabuca. A partir daí, comecei a rodar em outros clubes, como o Maringá, no Paraná, e o Comercial de Registro. Depois tive uma breve passagem pelo sub-20 do Santos com o técnico Giba (já falecido) em 1999, 2000. Posteriormente, comecei a bater cabeça e rodar por vários clubes do Brasil.


Na infância, os teus amigos do Saboó te chamavam de Buzuzu. Qual a origem do apelido?


É verdade (risos). Eu era muito pequeno. Acho que tinha 5 ou 6 anos. Eu lembro que eu vi um senhor e disse que ele tinha cara de “buzuzu”. O pessoal achou engraçado e o apelido pegou. Os meus amigos chamavam assim ou de buzu. Nas categorias de base, o pessoal me chamava de Caixote, porque eu tinha facilidade de fazer gol. Gostava muito de jogar gol caixote.


Como pintou o convite para você virar técnico?


Com 28 anos, eu já estava bem desgastado e tinha passado por várias lesões. Em 2010, jogava no Confiança, de Sergipe, que iria disputar a Copa do Brasil naquele ano. Eu quebrei a mão em dois pedaços, minha esposa engravidou e foi uma fase bem difícil. Então, o pessoal que eu conhecia que gerenciava o Camboriú, em Santa Catarina, me convidou para eu ser uma espécie de auxiliar enquanto ainda estava com o gesso. O time estava na zona de rebaixamento, veio um outro técnico e não resolveu. O presidente me convidou para ser treinador. Eu resisti, porque queria voltar a jogar bola, mas conseguimos salvar o time. No ano seguinte, assumi o comando da equipe sub-20 do Pinheiros, que iria disputar a Segunda Divisão do Campeonato Catarinense, e fomos campeões. Ao chegar na semifinal, foi aí que decidi que era hora de encerrar a carreira como jogador. Quem joga futebol morre duas vezes: primeiro quando a gente pendura as chuteiras. Não tive sucesso como atleta, mas se eu iniciar a carreira cedo, e como está dando certo, eu vou ser um jovem técnico, mas experiente. E com dez anos eu cheguei na elite do futebol brasileiro.


Rodrigo Santana foi nascido e criado no Saboó, onde começou a jogar bola
Rodrigo Santana foi nascido e criado no Saboó, onde começou a jogar bola   Foto: Matheus Tagé/AT

Para atingir o objetivo inicial de chegar à elite do futebol brasileiro, quais foram os passos seguintes após a passagem pelo Pinheiros?


Eu coloquei na cabeça que precisava ser auxiliar de alguém experiente e com uma visão muito boa futebol. E o meu pai na bola foi o Nenê Belarmino, que tem uma visão excelente dos jogadores e tem uma leitura tática incrível. Fui jogador dele no Cascavel, no Paraná, e comecei a conversar com ele, que me chamou para ser auxiliar no Uberaba (MG), em 2012. Naquele ano, também estivemos na Portuguesa Santista. Depois passei pelo União Suzano. Fizemos uma excursão na Bolívia contra equipes tradicionais, que jogam a Copa Sul-Americana. Ganhamos sete jogos e empatamos um. Em 2013, livramos o Grêmio Barueri do rebaixamento para o Campeonato Paulista da Série A-3.


Você também se destacou no Juventus.


Após passar pelo São Carlos nos times sub-20 e profissional, em 2014, recebi o convite para assumir o time profissional do Juventus. Eu topei o desafio. Morei no alojamento da Rua Javari e ali as coisas começaram a dar certo. Em 2015, conseguimos o acesso para a Série A-2 do Paulista, com um time com vários nomes da Baixada Santista, como Adiel, Wellington, Bruno Agnello e o Rafael Ferro, que foi capitão da Briosa. Em 2016, retornei ao Uberaba para disputar o módulo 2 do Campeonato Mineiro. Peguei o time em último e não subimos por um ponto. Em 2017, recebi o convite do URT e conseguimos ser o campeão do interior. Fomos para a semifinal contra o Atlético-MG e perdemos. Naquele ano, ganhei o prêmio da TV Globo Minas de melhor treinador da competição, com 34 anos. Na série D do Campeonato Brasileiro, quase conseguimos o acesso, mas perdemos as quartas de final nos pênaltis para o Globo (RN). Em 2018, perdemos de novo no mata-mata para o Atlético-MG e fomos desclassificados na segunda fase da Série D do Brasileiro pelo Treze (PB). Em julho daquele ano, o diretor de futebol do Atlético-MG, Alexandre Gallo, que trabalhou e jogou no Santos, me convidou para coordenar as categorias de base do clube. Não tinha como negar essa oportunidade. No final do ano, virei treinador do sub-20.


Você chegou a manter contatos com muitos técnicos que estavam na elite do futebol nacional?


Sim, com praticamente todos. Os treinadores se respeitam muito e, quando está surgindo alguém, esta pessoa sempre é comentada. Esse contato é grande nos cursos da CBF, quando ficamos por dez dias juntos praticamente o dia inteiro. Uma pessoa que me ajudou muito foi o Fábio Carille. Ele acompanhava muito os meus jogos no Juventus e quando eu terminava o treino eu ia acompanhar o trabalho dele, que era auxiliar do Tite, que me ensinou muito também. O Carille sempre me deu muita atenção. Devo muito a ele taticamente e tecnicamente. Meu time era muito agudo e não defendia como se deveria. O Fábio me ajudou a equilibrar. Ele quem treinava a parte defensiva do Corinthians.


E como foi o convite para assumir o Galo, inicialmente, de forma interina?


Com a demissão do Levir Culpi, em abril de 2019, o presidente me ligou e pediu para eu assumir a equipe principal. Enfim, meu objetivo foi alcançado sem ter que derrubar ninguém. Perdemos o título mineiro, mas fomos muito aplaudidos. Depois começamos muito bem o Brasileiro. Como a gente tinha uma gordura muito grande, nós ficamos várias rodadas no G4 e começamos a utilizar um time alternativo. Eram três competições ao mesmo tempo (Copa do Brasil, Sul-Americana e Brasileiro), e a ideia do clube era priorizar a Sul-Americana, que dava um bom prêmio em dinheiro e seria o caminho mais rápido para a Libertadores. Perdemos muito titulares importantes nesse período, como Chará, Jair, Adilson, Victor...


O grupo ficou muito abalado com a notícia que o Adilson teria que encerrar a carreira por problemas de saúde?


Ele era um cara muito querido e admirado pelo grupo. Ele simplesmente saiu do treino dizendo que não viria no dia seguinte porque iria fazer um exame de coração que é anual, mas, no caso dele, por ter histórico de problemas na família, era a cada seis meses. O médico impediu que ele voltasse. Isso coincidiu com o jogo de ida da Copa do Brasil. Ele era titular absoluto. Recebemos a informação que ele não poderia mais jogar bola. Foi um clima de velório. Deu tudo errado para a gente naquela noite. A gente chegou no vestiário desnorteado. Fiquei preocupado com essa situação de ele parar de jogar do dia para a noite. É algo muito difícil. Foi quando eu o convidei para ser auxiliar, para ele manter essa rotina. No segundo jogo, ganhamos por 2 a 0 e amassamos o Cruzeiro, mas fomos desclassificados.


Treinador disse que conquistou objetivo de comandar uma equipe principal sem derrubar ninguém
Treinador disse que conquistou objetivo de comandar uma equipe principal sem derrubar ninguém   Foto: Rodrigo Santana/AT

Você acredita que nesses seis meses à frente do Atlético-MG você conseguiu mostrar seu potencial?


Tenho certeza que qualquer pessoa que ligar para o Atlético-MG e perguntar para o pessoal do futebol profissional vai me elogiar. Eu cheguei em um momento delicado, pelo fato de o principal adversário (Cruzeiro) estar muito bem, pelo bicampeonato mineiro e da Copa do Brasil, e estar contratando muitos jogadores renomados. Todo dia era protesto na frente do Galo. Eu consegui dar a tranquilidade para o clube, deixando de pagar um treinador muito caro e apostando em alguém desconhecido. Os jogadores ganharam confiança. Há anos o Atlético-MG não ganhava tanto dinheiro em premiação por avançar tanto nas competições. Acredito que as expectativas foram positivas. Não chegou nenhum reforço nesse período. Em 25 rodadas do Brasileiro, em fiquei em 15 delas no G4. O time estava com 31 pontos quando fui demitido. Após passarmos por uma fase turbulenta e adversários complicados, como Palmeiras, Flamengo e Grêmio, tinha ciência que poderíamos voltar a crescer na competição após a eliminação da Sul-Americana e brigar no mínimo pela pré-Libertadores nas 13 rodadas que faltavam.


Como foi o relacionamento com os jogadores experientes?


Eu falo para todos que é muito mais fácil trabalhar com caras experientes. São jogadores que estão em nível de Série A, intelectualmente muito avançados e com uma humildade absurda por já terem sido campeões. Eles contribuíram muito para o meu crescimento. Sempre fui muito franco e muito transparente. Quando tinha que tirar o Ricardo Oliveira da equipe, por exemplo, foi um consenso. Sentamos para conversar para ver o que seria melhor para o time e para ele. Não é bom ficar expondo uma situação. Sempre tive um bom relacionamento com os atletas.


Passou-se a ideia de que o técnico brasileiro está desatualizado. Isso foi muito discutido nesse curso da CBF. Qual a avaliação que você faz sobre esses comentários?


No nosso primeiro dia de aula, tivemos um estudo do Campeonato Brasileiro com os analistas de desempenho do Santos, Palmeiras, Grêmio e Cruzeiro (que hoje está no Atlético-MG). Muito se fala hoje do treinador europeu, que trabalha de um jeito diferente, que joga para frente, de forma bonita, enquanto o treinador brasileiro está ultrapassado. Ao passar os números, foi mostrada a tabela de finalização na competição. Para minha surpresa, foi o Atlético-MG (o líder). Porém, ao verificar o número de finalizações certas, o Flamengo aparece em primeiro. O meu time eu armo para frente, consigo levá-lo para o último terço do campo, mas acertar naquela “casinha” vai da técnica do jogador. O técnico não faz gol. Eu era o treinador mais jovem do Campeonato Brasileiro. Meu time, com todas as limitações, sem novas contratações, conseguiu esse feito.


Mas você atribui isso à qualidade dos atletas dessas equipes?


Dá uma equipe que caiu ou que brigou para não cair para um estrangeiro e veja se ele consegue fazer isso. Eles não vão fazer. Não estou tirando o mérito deles, que são muito bons, mas é evidente quando você tem no seu elenco jogadores com características ofensivas, agudas e que joga bonito, tudo se torna mais fácil. Eu peguei o Flamengo no Horto e ganhamos por 2 a 1 com um a menos desde o final do primeiro tempo. Ao comparar os times do Flamengo que jogaram contra o Galo, no segundo turno entraram o Felipe Luís, o Rafinha e mais um zagueiro. O Jorge Jesus ajeitou a linha defensiva do time, mas do meio de campo para a frente eram os mesmos jogadores. Hoje vários clubes têm treinadores portugueses, mas quantos brasileiros treinam em Portugal? Quase nenhum. Qual foi a melhor campanha de Portugal em uma Copa do Mundo? Com o Felipão. Os portugueses teorizaram a prática. A gente fala contra-ataque e eles, transição ofensiva. Os estudiosos do futebol que nascem agora, principalmente os treinadores mais novos, que falam bonitinho, estão colocando em prática. O problema é que o glamour em torno dos técnicos estrangeiros está muito grande agora.


Técnico acredita que poderia ter levado o Atlético-MG a uma disputa na pré-Libertadores
Técnico acredita que poderia ter levado o Atlético-MG a uma disputa na pré-Libertadores   Foto: Matheus Tagé/AT

Você acredita que essa onda de técnicos estrangeiros será passageira?


Eu tenho certeza absoluta, assim como tenho convicção que qualquer treinador que pegasse o Flamengo iria bem. Não tiro o mérito do Jorge Jesus, que é bom para caramba. O time dele tem uma grande movimentação e você percebe que aquilo é fruto de treino. Existem falhas? É claro. A gente consegue observar, mas não está com o controle remoto para mudar aquilo de imediato. Nem sempre você tem no elenco os jogadores adequados para explorar as fragilidades apresentadas.
Para parte da imprensa esportiva, o Jorge Jesus acabou com o mito de poupar jogadores que disputam várias competições.


Qual a sua avaliação sobre isso, que disputou no Atlético-MG simultaneamente três campeonatos (Copa do Brasil, Sul-Americana e Brasileiro)?


Isso é um dos mitos que criaram. Ele realmente chegou com essa ideia, mas vários jogadores se machucaram. Foi aí que entrou em campo o fisiologista e os médicos para alertá-lo que seria necessário fazer o rodízio. O Everton Ribeiro fica um jogo fora e dá lugar ao Diego, mas ninguém lembra porque o Flamengo foi lá e goleou. Essa folga já faz uma grande diferença. O Flamengo trocou jogadores sim. É só você ver quantos jogos eles ficaram sem repetir a escalação. Ele não fazia como eu, de tirar o time inteiro para jogar outra competição. Além disso, é preciso lembrar que o Flamengo tem um elenco de jogadores com 25, 26 anos com muita força. Não dava para eu colocar o Ricardo Oliveira, de 39 anos, fazendo três jogos em uma semana.


Quais são seus planos para 2020?


Meu quartel-general é em Santos. Nossa ideia era pegar um time de Série A, que tivesse ao menos uma Copa Sul-Americana pela experiência que a gente teve de chegar a uma semifinal, caindo nos pênaltis, mas, no momento que saí do Atlético-MG, o mercado estava bem fechado. Há algumas especulações, mas nada concreto. Eu recebi um convite para trabalhar no Kuwait por cinco meses, mas prefiro ficar mais um tempo aqui. Vamos aguardar o que acontece nos estaduais para voltar a trabalhar. A vontade de retornar é grande.


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