Fábio e Nathan, um encontro de gerações campeãs no taekwondo

Campeões pan-americanos, eles traduziram em títulos todos os sacrifícios enfrentados ao longo da carreira

Por: Régis Querino & Da Redação &  -  15/10/19  -  15:32
  Foto: Irandy Ribas/AT

Fábio Goulart, de 54 anos, e Nathan Torquato, 18, poderiam ser pai e filho. Não têm laços de sangue, mas são da mesma família. A do taekwondo, onde dividem um pioneirismo. Representando a Baixada Santista, foram os primeiros a conquistar medalhas de ouro para o Brasil em competições internacionais da modalidade. Cada qual em seu tempo e em sua categoria.


Há 28 anos, Fábio, nascido em Limeira e santista por adoção (com direito a título de cidadão), conquistava em Cuba a primeira medalha internacional do taekwondo brasileiro. Foi nos Jogos Pan-Americanos de Havana, em 1991. Quase três décadas depois,o praia-grandense Nathan também escreveu o seu nome na história do esporte no País.


No final de agosto, ele foi o primeiro brasileiro a ganhar medalha de ouro em uma edição dos Jogos Parapan-Americanos, em Lima, no Peru. "É importante essa união de gerações, principalmente na questão de experiência. Ele (Fábio) passa bastante o que viveu, falou coisas interessantes e me deixou motivado", disse Nathan, que apesar de treinar na academia de Goulart, na Pompeia, em Santos, só conheceu o mestre pessoalmente há poucos dias.


É que após seis anos morando nos Estados Unidos, Fábio Goulart voltou a residir em Santos há um mês. Com um time novo, que inclui o mestre Rodney Saraiva, ele quer investir em equipes de competição.


A trajetória dos campeões


O encontro com Nathan fez o primeiro campeão pan-americano do taekwondo no Brasil reviver os dias de glória. Que começaram com a medalha de ouro no Campeonato Pan-Americano deTaekwondo, em 1990.


"Para ir aos Jogos PanAmericanos, em 1991, tive que ganhar a seletiva. Estourei o joelho dois meses antes e, quando cheguei lá, tive paralisia facial ao descer do avião", conta Fábio, que credita o problema a um choque térmico.


Os contratempos não interromperam a sua caminhada ao topo. "A final foi contra o americano Herbert Perez, que tinha sido campeão no Pan de 1987 e campeão mundial, era meu ídolo, mas eu venci". A frustração viria no ano seguinte, quando o taekwondo foi o esporte de demonstração na Olimpíada de Barcelona.


"O Brasil não participou e o campeão foi o Herbert Perez. Eu fiquei de fora, arrasado. Não que eu fosse ganhar, mas dos três primeiros que estavam ali, eu só tinha perdido de um", lamenta Goulart.


Instinto vencedor


A primeira luta de Nathan foi fora dos tatames. Nascido com mal formação congênita, ele não tem o braço esquerdo. Mas isso não o impediu de iniciar no esporte aos 3 anos. Talentoso, até pouco tempo atrás ele disputava competições com atletas sem deficiência.


Foi o primeiro paratleta convocado para um Mundial de taekwondo convencional, em 2014, no Azerbaijão. Mas... "Fui pra lá e não me deixaram competir. Aí começou essa saga. Depois de uns anos,o parataekwondo começou a se consolidar, entrei e deu certo".


A decepção deu lugar à determinação. “A partir daquele momento eu falei: ‘tenho uma história especial pra construir'. Acredito que esse era o meu caminho, estou aqui pra fazer a diferença", crava Nathan.


Tanta convicção o levou à primeira medalha de ouro parapan-americana do Brasil. E isso é só o começo, porque os Jogos Paralímpicos de Tóquio estão logo ali, em 2020. A vaga, por ranqueamento, pode ser carimbada no final do mês, se ele conquistar a etapa do Campeonato Europeu, na Itália.


Ou na classificatória do continente americano, em março próximo, na Costa Rica. O precursor dos caminhos vitoriosos do taekwondo nacional não tem dúvida quanto ao sucesso de Nathan. "Ele tem uma determinação incrível. Se continuar com o mesmo treinamento e determinação, vai trazer uma medalha pro Brasil da Paralimpíada, o que vai ser um marco também", aponta Goulart. 


Tecnologia apoia evolução da modalidade


Vivendo o taekwondo desde que o esporte nem estava no cartel olímpico, Fábio Goulart (8º Dan) saudou a evolução da modalidade. Além do maior apoio da confederação e do Comitê Olímpico Brasileiro, a tecnologia também contribuiu para melhores resultados no tatame.


"Quando comecei não tinha nem capacete, só a proteção de tórax. Hoje tudo é eletrônico, antes o árbitro podia fazer vista grossa. Hoje não tem como, bateu é ponto, o sistema não mente. E temos cartão pra pedir revisão de vídeo", enumera.


No vídeo replay, os técnicos têm o direito de pedir a revisão de lances da luta. "Você tem direito a fazer quantas (revisões) quiser, desde que ganhe. Se não for aquilo que você pediu, só pode pedir o cartão na próxima luta", pontua.


A tecnologia também o ajudou a ministrar aulas aos seus alunos na academia em Santos, quando ele ainda morava nos Estados Unidos, por um sistema de câmeras. Nada, porém, substitui a relação presencial entre técnico e atleta, quando se fala em taekwondo de competição.


Observando Nathan em ação, Goulart percebeu que, como ele não tem o braço esquerdo, adaptou a deficiência ao seu estilo de luta.


"Por ter lutado muito tempo no convencional, eu tinha que achar um método pra usar a desvantagem a meu favor. Treinei muito giro de esquerda, porque o pessoal vai querer atacar do meu lado aberto. Eu usava meio como isca e surpreendia", explica Nathan.


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