Ponte dos Barreiros, uma história de 25 anos

Equipamento que liga áreas Insular e Continental de São Vicente demorou oito anos para ser concluído

Por: Rafael Motta & Da Redação &  -  15/12/19  -  14:48
Um dia antes da tão esperada inauguração, A Tribuna acompanhou retoques finais na ponte
Um dia antes da tão esperada inauguração, A Tribuna acompanhou retoques finais na ponte   Foto: João Vieira/Arquivo/AT

Foi fruto de uma gravidez desejada, mas difícil. Logo após a fecundação, houve dúvidas de que vingasse. Apelou-se a diferentes médicos durante a gestação. Além da hora prevista, nasceu. Porém, incompleta e sem amparo. Os pais, tanto os naturais quanto os adotivos, descuidaram de sua criação. Por isso, ela completou sábado (14) 25 anos com uma base deficiente e, pior, sem emprego: perdeu a função por tempo indeterminado.


Esta é a descrição da Ponte A Tribuna, popularmente conhecida como Ponte dos Barreiros, construída para ligar as áreas Continental e Insular de São Vicente e aberta em 14 de dezembro de 1994. Foi bloqueada ao tráfego de veículos no último dia 30, após laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do estado mostrar o comprometimento de sua estrutura.


Nem todos entendem por que, apesar da importância da obra e de seu papel no crescimento da Área Continental, não se consegue cravar de quem é a responsabilidade pelos cuidados que a Ponte dos Barreiros não teve e, talvez, possa ter agora.


Por muitos anos, se atribuiu a tarefa ao governo estadual, pois a ligação viária foi projetada pela Dersa, hoje vinculada à Secretaria de Logística e Transportes. E partiu do então governador Luiz Antônio Fleury Filho, ainda em 1994, a denominação da ponte de A Tribuna, em homenagem ao centenário do jornal.


Mas, nos últimos meses, o estado tem dito que cuidar das pistas é trabalho da prefeitura. O que caberia a São Paulo seria a ponte ferroviária paralela, inaugurada em 25 de abril de 1912 – menos de um ano após o então governador, Albuquerque Lins, aprovar o projeto. Serviu ao tráfego de passageiros até 1999 e de carga até 2003.


Há outro porém: a ponte foi construída após concorrência aberta pela Companhia de Desenvolvimento de São Vicente (Codesavi, hoje extinta) e vencida pela Construtora Camargo Corrêa.


Quase três décadas


O Distrito de Samaritá, que faz divisa com Praia Grande, tinha cerca de 20 mil moradores no início da década de 1980. Para se atingir o Centro de São Vicente, era uma longa volta, com 20 a 30 quilômetros – como está ocorrendo agora.


Ainda em 1967, um projeto de engenharia mostrava que uma ponte sobre o Canal dos Barreiros reduziria o percurso para, aproximadamente, oito quilômetros.


A partir de 1977, na gestão do então prefeito Koyu Iha, o pedido ganhou força: a área de Samaritá era estratégica para instalação de indústrias, depositar lixo e reduzir a favelização da Cidade. Tão importante que se cogitava anexá-la a Praia Grande.


No início dos anos 1980, o Governo Federal incluiu São Vicente no projeto Aglurb, sigla para Aglomerados Urbanos. A prefeitura teria de bancar 15% do valor das obras, financiadas em dólar (a inflação, de 110% naquele ano, desvalorizava o cruzeiro). Porém, a Ponte dos Barreiros ficou de fora da lista.


Após ameaças de saída do projeto, negociações e um abaixo-assinado com 45 mil nomes clamando pela ponte, a prefeitura ficou no Aglurb. Em 1986, foi autorizada a construí-la, após licitação da Codesavi com verba do Banco Mundial (41 milhões de cruzados, ou R$ 33 milhões) e município (Cz$ 6 milhões, ou R$ 4,8 milhões).


Mas não havia dinheiro para os acessos à ponte por Samaritá, mais custosos que a ponte. Como a obra não terminou naquele ano (faltaram 63 dos 630 metros), o convênio foi encerrado. A empreiteira cobrava R$ 13 milhões, em valores atuais, para a conclusão. Tudo parou. Houve, até, sessão extraordinária da Câmara na ponte, em protesto, já em 1989.


Com 30 milhões de cruzados novos, ou R$ 17,6 milhões em verba federal, os trabalhos recomeçaram em 1990, na gestão de Antônio Fernando dos Reis. Com dinheiro à parte para os acessos, eles acabaram em 1994.


Em 1990, prefeito Antonio Fernando dos Reis retomou obras na ponte
Em 1990, prefeito Antonio Fernando dos Reis retomou obras na ponte   Foto: Edison Baraçal/Arquivo/AT

Vaivém


Membro de uma comissão aberta na Câmara de São Vicente em 1987 para acompanhar o andamento das obras da Ponte dos Barreiros, possíveis irregularidades na concorrência e que chegou a viajar a Brasília em busca de dinheiro, o despachante Carlos Alberto Santiago, vereador de 1982 a 2008, é sincero: “Não me lembro quem ficou responsável pela manutenção da ponte”.


Prefeito na época da inauguração, Luiz Carlos Luca Pedro diz “não entender por que o Estado quer passar, depois de tantos anos, (a responsabilidade pela ponte) ao município”, mas “não sei se houve tratativa” para definir quem cuidaria da estrutura depois de pronta.


O engenheiro André De Fazio, que presidia a Codesavi em 1990 – quando a empresa municipal pagou à Camargo Corrêa para voltar à construção –, retoma a comparação feita no começo deste texto entre a ponte e uma hipotética pessoa:“As obras de arte – pontes, viadutos, túneis – se comportam como o corpo humano. Com conservação, duram mais. Vão adoecendo aos poucos. Sem crítica a nenhum governo, no Brasil, tudo é assim: não existe uma política de conservação”.


Riscos à estrutura eram vistos em 1996


E de 1994 em diante? Problemas frequentes: já em 1996, viam-se riscos à estrutura, pois caminhoneiros desrespeitavam a proibição de tráfego pesado. De forma paralela, a Área Continental crescia e alcançava perto de 100 mil pessoas em moradias irregulares e sem serviços básicos.


Restringindo a situação à ponte, o IPT produziu um laudo, em 2002, recomendando urgência na recuperação das pontes rodoviária e ferroviária: elementos estruturais estavam corroídos – o que se confirmou 17 anos depois, no documento que embasou a interdição de agora.


Em 2005, a prefeitura pediu dinheiro estadual para duplicar a Ponte dos Barreiros, que tem apenas uma pista por sentido.


Já naquela década, o estado planejava construir um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) passando pela ligação ferroviária. Em janeiro do ano passado, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) anunciou licitação para reformar a ponte – inclusive a rodoviária –, visando à terceira fase do VLT, mas nada foi concluído.


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