Foi fruto de uma gravidez desejada, mas difícil. Logo após a fecundação, houve dúvidas de que vingasse. Apelou-se a diferentes médicos durante a gestação. Além da hora prevista, nasceu. Porém, incompleta e sem amparo. Os pais, tanto os naturais quanto os adotivos, descuidaram de sua criação. Por isso, ela completou sábado (14) 25 anos com uma base deficiente e, pior, sem emprego: perdeu a função por tempo indeterminado.
Esta é a descrição da Ponte A Tribuna, popularmente conhecida como Ponte dos Barreiros, construída para ligar as áreas Continental e Insular de São Vicente e aberta em 14 de dezembro de 1994. Foi bloqueada ao tráfego de veículos no último dia 30, após laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do estado mostrar o comprometimento de sua estrutura.
Nem todos entendem por que, apesar da importância da obra e de seu papel no crescimento da Área Continental, não se consegue cravar de quem é a responsabilidade pelos cuidados que a Ponte dos Barreiros não teve e, talvez, possa ter agora.
Por muitos anos, se atribuiu a tarefa ao governo estadual, pois a ligação viária foi projetada pela Dersa, hoje vinculada à Secretaria de Logística e Transportes. E partiu do então governador Luiz Antônio Fleury Filho, ainda em 1994, a denominação da ponte de A Tribuna, em homenagem ao centenário do jornal.
Mas, nos últimos meses, o estado tem dito que cuidar das pistas é trabalho da prefeitura. O que caberia a São Paulo seria a ponte ferroviária paralela, inaugurada em 25 de abril de 1912 – menos de um ano após o então governador, Albuquerque Lins, aprovar o projeto. Serviu ao tráfego de passageiros até 1999 e de carga até 2003.
Há outro porém: a ponte foi construída após concorrência aberta pela Companhia de Desenvolvimento de São Vicente (Codesavi, hoje extinta) e vencida pela Construtora Camargo Corrêa.
Quase três décadas
O Distrito de Samaritá, que faz divisa com Praia Grande, tinha cerca de 20 mil moradores no início da década de 1980. Para se atingir o Centro de São Vicente, era uma longa volta, com 20 a 30 quilômetros – como está ocorrendo agora.
Ainda em 1967, um projeto de engenharia mostrava que uma ponte sobre o Canal dos Barreiros reduziria o percurso para, aproximadamente, oito quilômetros.
A partir de 1977, na gestão do então prefeito Koyu Iha, o pedido ganhou força: a área de Samaritá era estratégica para instalação de indústrias, depositar lixo e reduzir a favelização da Cidade. Tão importante que se cogitava anexá-la a Praia Grande.
No início dos anos 1980, o Governo Federal incluiu São Vicente no projeto Aglurb, sigla para Aglomerados Urbanos. A prefeitura teria de bancar 15% do valor das obras, financiadas em dólar (a inflação, de 110% naquele ano, desvalorizava o cruzeiro). Porém, a Ponte dos Barreiros ficou de fora da lista.
Após ameaças de saída do projeto, negociações e um abaixo-assinado com 45 mil nomes clamando pela ponte, a prefeitura ficou no Aglurb. Em 1986, foi autorizada a construí-la, após licitação da Codesavi com verba do Banco Mundial (41 milhões de cruzados, ou R$ 33 milhões) e município (Cz$ 6 milhões, ou R$ 4,8 milhões).
Mas não havia dinheiro para os acessos à ponte por Samaritá, mais custosos que a ponte. Como a obra não terminou naquele ano (faltaram 63 dos 630 metros), o convênio foi encerrado. A empreiteira cobrava R$ 13 milhões, em valores atuais, para a conclusão. Tudo parou. Houve, até, sessão extraordinária da Câmara na ponte, em protesto, já em 1989.
Com 30 milhões de cruzados novos, ou R$ 17,6 milhões em verba federal, os trabalhos recomeçaram em 1990, na gestão de Antônio Fernando dos Reis. Com dinheiro à parte para os acessos, eles acabaram em 1994.
Vaivém
Membro de uma comissão aberta na Câmara de São Vicente em 1987 para acompanhar o andamento das obras da Ponte dos Barreiros, possíveis irregularidades na concorrência e que chegou a viajar a Brasília em busca de dinheiro, o despachante Carlos Alberto Santiago, vereador de 1982 a 2008, é sincero: “Não me lembro quem ficou responsável pela manutenção da ponte”.
Prefeito na época da inauguração, Luiz Carlos Luca Pedro diz “não entender por que o Estado quer passar, depois de tantos anos, (a responsabilidade pela ponte) ao município”, mas “não sei se houve tratativa” para definir quem cuidaria da estrutura depois de pronta.
O engenheiro André De Fazio, que presidia a Codesavi em 1990 – quando a empresa municipal pagou à Camargo Corrêa para voltar à construção –, retoma a comparação feita no começo deste texto entre a ponte e uma hipotética pessoa:“As obras de arte – pontes, viadutos, túneis – se comportam como o corpo humano. Com conservação, duram mais. Vão adoecendo aos poucos. Sem crítica a nenhum governo, no Brasil, tudo é assim: não existe uma política de conservação”.
Riscos à estrutura eram vistos em 1996
E de 1994 em diante? Problemas frequentes: já em 1996, viam-se riscos à estrutura, pois caminhoneiros desrespeitavam a proibição de tráfego pesado. De forma paralela, a Área Continental crescia e alcançava perto de 100 mil pessoas em moradias irregulares e sem serviços básicos.
Restringindo a situação à ponte, o IPT produziu um laudo, em 2002, recomendando urgência na recuperação das pontes rodoviária e ferroviária: elementos estruturais estavam corroídos – o que se confirmou 17 anos depois, no documento que embasou a interdição de agora.
Em 2005, a prefeitura pediu dinheiro estadual para duplicar a Ponte dos Barreiros, que tem apenas uma pista por sentido.
Já naquela década, o estado planejava construir um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) passando pela ligação ferroviária. Em janeiro do ano passado, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) anunciou licitação para reformar a ponte – inclusive a rodoviária –, visando à terceira fase do VLT, mas nada foi concluído.