Princesas da 3ª idade usam a dança como superação e alegram pontos turísticos de Santos

Aulas de balé se tornam refúgio para problemas como câncer de mama, deficiência visual e a dependência química de familiar

Por: Yasmin Vilar & De A Tribuna On-line &  -  30/06/19  -  10:20
Grupo de balé participará de competição de dança em Joinville
Grupo de balé participará de competição de dança em Joinville   Foto: Divulgação/Núcleo Christiane Santos

Vestido de princesas, um grupo da terceira idade vem chamando a atenção em pontos turísticos de Santos. Por trás dos penteados e roupas conhecidas dos amantes dos contos de fadas, a ‘realeza’ reúne histórias de superação que encontraram no balé uma forma de enfrentar problemas como o câncer de mama, a deficiência visual e até mesmo a dependência química de familiares.


O Núcleo Christiane Santos surgiu em agosto de 2014, a partir de aulas de dança do ventre. As alunas demonstraram interesse pelo balé clássico, o grupo passou a aprender as tradicionais posições e trocou as saias com moedas pelas sapatilhas. Atualmente, o núcleo faz partedo Centro de Artes Integradas de Santos, da Secretaria Municipal de Cultura.


De acordo com a professora e fundadora do grupo, Christiane Santos, a ideia de se vestir como princesa surgiu da necessidade de ajuda para arcar com os custos das apresentações. Com os trajes de histórias infantis e uma faixa nas mãos, elas circulam por pontos turísticos da cidade pedindo contribuições para as despesas com as competições que participam, como uma em Joinville (SC) que acontece nos próximos dias. “Foi um sucesso, todos param quando veem e elogiam bastante, com muito carinho”, comenta.


Mas, a grande surpresa vem no fim do espetáculo. Após a apresentação de balé, os tradicionais vestidos longos dão lugar às minissaias, e a música clássica é substituída por um hit das discotecas nos anos 70, “Dancin’ Days”, do grupo As Frenéticas.


Chapeuzinho Vermelho


Glória Maria enfrenta o câncer de mama pela segunda vez e, no grupo, conseguiu resgatar a autoestima
Glória Maria enfrenta o câncer de mama pela segunda vez e, no grupo, conseguiu resgatar a autoestima   Foto: Divulgação/ Núcleo Christiane Santos

O capuz vermelho usado por uma das personagens mais tradicionais dos contos de fadas foi adotado por Glória Maria Bastos Gouvêa, de 73 anos. Enfrentando um câncer de mama pela segunda vez, ela conta que foi em cima dos palcos que encontrou uma maneira de distrair sua mente durante o período de tratamento. “Esqueço tudo quando estou dançando”, diz.


De acordo com a aposentada, o primeiro câncer foi descoberto em 1974, mas a doença retornou em 2016, quando já fazia parte do grupo. “A gente fica meio desorientada, achando que tudo só acontece com a gente. Mas, na dança, com o apoio da Christiane e das meninas, me animei e fico concentrada no que me faz bem”, comenta.


O tratamento tem duração de cinco anos e, atualmente, Glória Maria passa pela fase de medicação. “Tomo injeções de seis em seis meses e faço tratamento lá no Hebe Camargo, em São Paulo. Não recebi alta, mas já me sinto curada. Assim, sigo vivendo a minha vida, feliz com a dança. Ela que me faz viver”, explica.


Quanto à escolha da personagem que levava doces para a avó, ela afirma que foi ideia da professora, que acreditou que seu jeito brincalhão combinava com a personalidade da Chapeuzinho Vermelho.


Anastásia


Mércia perdeu parte da visão por causa de um glaucoma e entrou no grupo por apoio de familiares
Mércia perdeu parte da visão por causa de um glaucoma e entrou no grupo por apoio de familiares   Foto: Divulgação/ Núcleo Christiane Santos

A princesa russa Anastásia Romanov ganhou vida no grupo graças a Mércia Cristina Soares de Carvalho, de 54 anos. Ela conheceu a dança por meio da filha e da irmã, que participavam das aulas de Christiane. A inscrição para dança do ventre há dois anos foi a porta de entrada para as demais áreas.


Entretanto, a descoberta de um glaucoma mudou sua vida. Com a doença, Mércia perdeu 80% da visão em um dos olhos e 20% no outro, sendo mandada embora do emprego e obrigada a se aposentar. “Fiquei muito chateada”, conta.


Com o incentivo da irmã, ela entrou no grupo e passou a fazer aulas de balé clássico para a terceira idade “Minha irmã disse que seria bom para mim, e eu me empolguei. Para quem não sabia fazer uma posição com o pé, aprendi a coreografia em quatro dias”, comemora.


Para frequentar os ensaios, Mércia conta com o apoio da filha e da irmã, a princesa Tiana do grupo, que a levam até o local. Os encontros no ponto de ônibus ou a ajuda para atravessar vias à noite são essenciais para que ela chegue em segurança à escola. As coreografias também são repassadas com a ajuda das duas.


As netas de Mércia também serviram como incentivo para que ela participasse das competições. “Elas sabem que a avó dança com as princesas, mas nunca me viram assim. Vai ser maravilhoso dançar na competição em Joinville, sabendo que as minhas netas estarão assistindo”, torce.


Cinderela


Lúcia entrou no mundo da dança ainda na infância, mas foi na 3ª idade que voltou aos poucos, pela dança do ventre e o balé
Lúcia entrou no mundo da dança ainda na infância, mas foi na 3ª idade que voltou aos poucos, pela dança do ventre e o balé   Foto: Divulgação/ Núcleo Christiane Santos

A princesa do sapatinho de cristal é encarnada em cima dos palcos por Lúcia Helena Martins de Souza, de 71 anos. As apresentações escondem uma luta familiar contra a dependência química.


Sua paixão pela dança começou ainda na infância, quando fazia aulas de balé e piano, mas as sapatilhas foram deixadas de lado quando a família resolveu se mudar de Londrina, no Paraná.


A paixão ressurgiu com a divulgação da dança do ventre pela novela ‘O Clone’, da Rede Globo, no início dos anos 2000. Mais de dez anos depois, ela passou a integrar o grupo liderado por Christiane. “Primeiro me deram a Alice, do País das Maravilhas, mas não fiquei muito feliz. É lógico que amei quando a Chris resolveu me dar a Cinderela, era a princesa que eu queria”, relembra.


As aulas de balé e as apresentações das princesas servem como amparo para a mãe que lida com a dependência química do filho há cerca de 20 anos - consequência do término do relacionamento com o ex-marido. “Quando ele completou 18, meu marido o enviou para mim, e disse que meu filho estava morto para ele. Quem acaba pagando as dívidas sempre sou eu, para não o matarem. Se não fossem as aulas de dança, a professora e as meninas, eu não sei se aguentaria tanta pressão”, finaliza.


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