Hotel Internacional do José Menino

Há 60 anos, o desmanche de um castelo de areia santista cheio de glamour

Por: Sérgio Willians & Colaborador &  -  25/11/19  -  00:48
O Internacional foi o primeiro estabelecimento de hotelaria construído na faixa da orla santista
O Internacional foi o primeiro estabelecimento de hotelaria construído na faixa da orla santista   Foto: Reprodução

Santos, domingo, 22 de novembro de 1959. O castelo de areia ganhava forma nas mãos do pequeno garoto, à beira d’água, na Praia do José Menino, defronte à Ilha Urubuqueçaba. Ele sorria ao mesmo tempo em que moldava uma sinuosa torre de areia molhada. Ao mesmo tempo, seu avô apontava os olhos na direção oposta ao mar, testemunhando um outro tipo de castelo sucumbir. No golpe das marretas empunhadas por operários de demolição, desmantelava-se um velho e icônico edifício: o Hotel Internacional do José Menino.


Uma lágrima, então, escorreu dos olhos do velho homem, que testemunhara os tempos glamourosos daquele lugar, outrora um abrigo confortável a grandes personalidades, como o escritor Monteiro Lobato, que passara ali a sua lua de mel, em 1908, ao lado da esposa Purezinha.


Abre alas praiano


O Internacional foi o primeiro estabelecimento de hotelaria construído na faixa da orla santista, nos anos finais do século 19. O bairro ainda era conhecido como um lugar distante de Santos, quase um balneário independente, acessível por bondes puxados a tração animal. Erguido diante da exuberante Ilha Urubuqueçaba, o hotel foi bancado pelo empresário José Estanislau do Amaral, que não mediu esforços para dotar Santos de um exemplar hoteleiro luxuoso.


O hotel apresentava duas fachadas (uma para a linha do bonde e a outra para o mar) e foi inaugurado em 2 de outubro de 1898. De longe, chamava a atenção em função da estética inglesa, do glamour e do requinte de seus espaços internos. Oferecia aos hóspedes salas de música, de leitura, de conversação, de bilhar, fumoir (sala para fumantes) e o boudoir (sala de vestir) exclusivo para damas. Junto ao edifício havia ainda pista de patinação e cabines para alugar calções!


O Grande Hotel Internacional seguia os padrões europeus, típicos das estações balneárias mais badaladas, como Brighton (Inglaterra) e Saint Tropez (França).


As propagandas veiculadas nos principais jornais do Estado exibiam o local como “situado no ponto mais agradável da magnífica Praia do José Menino, a melhor e a única segura em Santos para tomar-se banhos de mar”. Um dos pontos positivos destacados era o fato de o José Menino não ter tido o registro de qualquer epidemia. Santos ainda vivia problemas sérios de saúde pública à época.


O Hotel Internacional do José Menino era a referência maior da Cidade para os grandes eventos de caráter político. Em 1906, por exemplo, abrigou jantar de honra ao presidente Afonso Pena, quando de sua passagem por Santos, ao lado do então governador do Estado, Jorge Tibiriçá.


Troca de donos


Em 1906, o hotel foi vendido à empresária Elisa Poli (primeira criadora do Parque Balneário). Ela procurou intensificar a característica do local como referência santista a eventos, encontros políticos e corporativos. Chegou a incrementar o nome do lugar, que passou a se chamar Grande Hotel Internacional do José Menino.


Mas Elisa acabou se endividando. Em 1909, os credores se reuniram para pressionar a empresária, a ponto de ela pedir concordata junto à 1ª Vara.


Em 1910, a Prefeitura apresentou um amplo plano de urbanização das avenidas da orla. Isso valorizou ainda mais o bairro e o próprio hotel, que ocupava definitivamente o posto de estabelecimento mais charmoso da Cidade.


Porém, em 1914, o posto seria tomado pelo elegante Parque Balneário Hotel (já nas mãos dos irmãos Fracarolli), no Gonzaga. Nos anos 1930, o hotel era adquirido pelo empresário Alfieri Martini. Nesta época, o Internacional do José Menino se especializara em recepcionar eventos de empresas e clubes da Capital. Entre elas, Mappin, São Paulo Railway, Clube de Regatas Tietê e Telefônica Clube de São Paulo.


O hotel durante os anos 40
O hotel durante os anos 40   Foto: Reprodução

Em 1945, o Internacional de Santos anunciava na grande imprensa “oferecendo o mais moderno conforto às famílias”. Já eram tempos de grande concorrência no setor de hospedagem em terras santistas.


Decadência e demolição


Apesar da publicidade, o estabelecimento não conseguiu acompanhar os novos conceitos e demandas do setor e passou a dar prejuízo. Ainda em 1944, o empresário Joaquim Avelino da Silva apresentou um plano ousado de ocupação da orla do José Menino, incluindo a área do hotel e a Ilha Urubuqueçaba.


Sua proposta era construir 17 edifícios com 15 andares cada, num investimento de 250 milhões de cruzeiros (R$ 2,5 bilhões em valores atuais). Desse certo, tornar-se-ia o maior condomínio da Cidade. Mas não deu.


As atividades do Internacional acabaram se findando em 1956. O Município ainda tentou desapropriar as áreas do hotel e do entorno. A ideia era proteger a faixa de orla, tal qual o restante da praia santista.


Nos anos 1950, especuladores imobiliários conseguiram comprar a área do hotel e os lotes da faixa de areia do entorno. Estava fadado o fim do velho prédio e o sossego do bairro. Em novembro de 1959, o Hotel Internacional desmantelava-se tal qual o castelo de areia do menino acompanhado de seu avô, vencido pelo ligeiro vigor das marolas rasas. Ondas que vêm, mas não retornam iguais.


No lugar do belo hotel de linhas inglesas, quis o destino que surgissem várias torres de apartamentos residenciais, até hoje firmes como as sentinelas da faixa de areia da Praia do José Menino.


Sérgio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça seu trabalho www.memoriasantista.com.br


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