Conheça a história de Flipper, o golfinho mais querido do litoral de SP capturado há quase 40 anos

Ele viveu por nove anos no Oceanário de São Vicente e acabou não se readaptando ao mar

Por: Sergio Willians  -  28/05/23  -  09:34
Golfinho ficou conhecido nacionalmente por ser o último de sua espécie a viver em um cativeiro no Brasil
Golfinho ficou conhecido nacionalmente por ser o último de sua espécie a viver em um cativeiro no Brasil   Foto: João Vieira Jr. / AT /Arquivo

Domingo, 17 de janeiro de 1993. Em uma mobilização regional, quase 4 mil pessoas se aglomeravam nas areias da Praia do Itararé, junto ao Oceanário de São Vicente, para a despedida de um de seus mais célebres e icônicos personagens: Flipper. Batizado com esse nome devido ao famoso golfinho de um programa de TV norte-americano dos anos 1960, ele ficou conhecido nacionalmente por ser o último de sua espécie a viver em um cativeiro no Brasil.


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A história de Flipper no Oceanário iniciou em 1984, quando o animal marinho foi capturado em Laguna (SC), numa época em que este tipo de atividade ainda não era proibido, e levado diretamente para São Vicente. À época com 2 anos de idade, o golfinho iniciou seu rigoroso treinamento com o objetivo de entreter os visitantes, fazendo piruetas, saltos ornamentais fora d'água e truques com bolas de borracha.


Com o tempo, ficou craque, chegando a saltar até seis metros de altura. Em suas performances, Flipper jogava futebol com o focinho, passeava de óculos e fingia que salvava uma bonequinha de plástico. Por seis anos, ele foi a maior atração do Oceanário de São Vicente, equipamento criado em 1967 pelo empresário Roland Mac Degret. A partir de junho de 1990, o lugar mudara de mãos, passando a ser administrado por Vicente Mário Castilho.


Mas, no ano seguinte, uma ação pública movida pelo químico Márcio Augelli do Tucuxi, do Grupo de Proteção ao Boto, com base na primeira lei de proteção animal do País, tentou embargar a atração, exigindo, a devolução do animal ao mar. O juiz federal Silveira Bueno, no entanto, concedeu uma liminar ao proprietário de Flipper, mantendo o animal sob sua guarda, porém decretando o impedimento dele voltar a se apresentar ao público.


O caso ganhou repercussão internacional e, em 1992, a Sociedade Mundial de Proteção aos Animais (WSPA, na sigla em inglês) também foi à Justiça para exigir a soltura de Flipper. Assumindo perante o juiz a incumbência de cuidar do processo de reabilitação do animal, a entidade recebeu o sinal verde do Poder Judiciário. Um de seus membros, o ex-treinador de golfinhos Ric O'Barry, que treinou todos os animais que participaram do seriado Flipper na TV dos EUA, ficou encarregado da tarefa. E assim se sucedeu.


Saída do Flipper em 17 de janeiro de 1993
Saída do Flipper em 17 de janeiro de 1993   Foto: João Vieira Jr./ AT / Arquivo

A despedida

Em meio a gritos e palavras de ordem, choros e sorrisos de pessoas comuns e, em especial, de ambientalistas e defensores da causa animal, um helicóptero Sikorsky, modelo S-92A, contratado pela WSPA, pousava ao lado da velha estrutura que serviu por nove anos de lar ao popular mamífero marinho local, com todo o material necessário para seu transporte até o litoral de Santa Catarina, onde deveria ganhar, enfim, a tão sonhada liberdade. O local foi escolhido por ter sido justamente o habitat de onde Flipper havia sido capturado, em 1984.


Mas o embarque foi tumultuado. A caixa especial utilizada para o transporte de Flipper teve de ser serrada para passar pela porta da aeronave. O animal, de 300 kg, no entanto, não sofreu nada, pois estava sedado. Mais de 20 pessoas trabalharam na operação, que durou cerca de duas horas, e custou mais de US$ 40 mil à WSPA. Antes de levantar voo, a barbatana do golfinho foi marcada com hidrogênio líquido, deixando a gravura da bandeira do Brasil, que tinha por objetivo ser reconhecida pelos pescadores do litoral catarinense, que se comprometeram a informar ao organismo internacional tudo sobre a rotina de Flipper.


Eram 13h40 quando o Sikorsky levantou voo, levando embora o mascote do Itararé, o xodó das crianças da região, que ali se despediam e choravam, num misto de saudade e alegria, por saberem que o velho amigo retornava para sua verdadeira casa. Durante o voo, o maior desafio era evitar a variação de temperatura e desidratação do animal. Mais de 60 kg de gelo foram levados e jogados aos poucos sobre Flipper, que também recebeu um protetor solar e pomadas homeopáticas, que misturava lanolina e vaselina para evitar a desidratação.


Após uma viagem de quatro horas e meia, Flipper voltava, enfim, ao mar, sob o aplauso de centenas de pessoas que o aguardavam em Laguna. O clima era de pura emoção. Ainda zonzo pela longa viagem e sedação, o golfinho não arriscou dar saltos e apenas ficou nadando tranquilamente. Ele passaria as semanas seguintes dentro de uma área cercada de 100 metros x 150 metros (gigante perto dos 14 metros de diâmetro do tanque do Oceanário de São Vicente) para se readaptar ao ritmo e ao som do mar e reaprender a caçar o próprio alimento.


Reviravoltas

Flipper passou três meses no mar de Laguna, até que foi libertado em março de 1993, num espetáculo televisionado por emissoras estrangeiras, como a Fox e National Geographic. Após nadar ao lado de seu treinador, o norte-americano Richard O'Berry, por cerca de meia hora, Flipper finalmente ganhou o mar. Porém, como muitos especialistas previram na época, o regresso do golfinho de São Vicente ao oceano não havia sido uma ideia tão simples assim.


Poucos dias depois de deixar Laguna, Flipper, monitorado pelos biólogos da WSPA, acabou migrando lentamente e solitariamente (contra a própria natureza de sua espécie) na direção norte, até atingir as águas da Praia Grande. De volta ao litoral paulista, o animal foi avistado apresentando muitos ferimentos e exibindo cicatrizes, muito possivelmente, por membros de sua própria espécie que, provavelmente, o recusaram em seus bandos.


Flipper foi avistado pela última vez em 1995. Nunca mais se soube dele. A partir da história do golfinho do Itararé, o Brasil nunca mais permitiu a realização de shows ou situações semelhantes de cativeiro.


O Oceanário

Em julho de 1967, a Prefeitura de São Vicente autorizou a construção de um peculiar local turístico na Praia do Itararé, que seria administrado pelo empresário Roland Mac Degret. O local exibiria animais marinhos, especialmente golfinhos, que despertavam grande curiosidade, principalmente nas crianças.


O Oceanário, como passou a ser chamado, eventualmente abrigava focas e leões-marinhos em cativeiro, treinados e exibidos para o público infantil. Durante os anos 1970, o espaço se tornou a principal atração vicentina, atraindo milhares de visitantes brasileiros e estrangeiros.


Inicialmente, havia quatro golfinhos no local: Tony, Brigit, Suzi e Tojo, mantidos em um tanque de água salgada com 5 metros de altura. A água era constantemente filtrada e ajustada para proporcionar as condições de vida adequadas aos animais. Com a morte desses, começou a busca por um substituto. Em 1984, Flipper foi encontrado.


Sergio Willians é jornalista e pesquisador da história de Santos. Conheça seu trabalho no site www.memoriasantista.com.br


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