Embora a covid-19 tenha poupado mais a saúde física de crianças e adolescentes, os impactos da primeira pandemia na era digital atingiu esse público emocionalmente. A reinvenção tão falada no mundo corporativo também foi palavra de ordem no dia a dia dos mais novos, que tiveram que se adaptar e estão tirando aprendizados deste momento. Para os adultos, a lição que fica é que os mais novos têm o que dizer e precisam ser ouvidos com mais acolhimento e atenção.
Durante três semanas, A Tribuna promoveu encontros virtuais com crianças e adolescentes atendidos por programas do Sesc Santos. Os bate-papos giraram em torno dos sentimentos que os invadiram durante a pandemia. Já na última quarta-feira, os educadores dos projetos fizeram uma avaliação das conversas. Não para validar o que os pequenos e jovens falaram, mas, principalmente, para alertar o quanto esse público precisa ser ouvido de forma mais atenta.
Saberes
“Muitas vezes a gente subestima muito ou julga que sabe e eles não. Mas na verdade, as crianças e os jovens têm opinião e estão tentando tirar aprendizado de tudo isso. Então, uma escuta cuidadosa é importante”, avalia Ana Karolyne de Camargo, educadora do projeto Curumim.
Nos encontros, além do medo da doença, as crianças trouxeram a preocupação com o coletivo e a esperança de que a crise que o mundo vive possa se tornar uma ferramenta a um futuro melhor. Para o também educador do Curumim, John Koumantareas, é preciso fomentar a autonomia das crianças e considerar os sentimentos e opiniões delas. “A gente tem que considerar os diálogos e respostas deles. É claro que existem desafios, mas ignorar esse conhecimento e essência, é um tiro no pé”.
Estigma
No caso dos adolescentes, o acolhimento é ainda mais necessário, na opinião dos educadores do projeto Juventudes Fernando Saito e Daniele Baumgartner. Isso porque os jovens são muito estigmatizados e falta interesse em relação ao que de fato eles pensam e sentem. “A sociedade ainda enxerga os jovens por um viés de produtividade. Eles só são interessantes a partir do momento em que produzem”, ressalta Daniele.
Desta forma, segundo Daniele, a sociedade consegue ter um olhar carinhoso com as crianças, mas não com os jovens de 17, 18 e 19 anos que estão concluindo a Educação Básica, procurando o primeiro emprego e vivendo um momento conturbado relacionado à transição para a fase adulta.
Nesse combo, acabam sendo alvo da pressão social, lidando com questões específicas da idade e as angústias causadas pelas consequências da circulação do novo coronavírus. “Temos um problema muito sério porque mesmo dando voz a esses jovens, a sociedade continua com essa visão de produtividade que os pressiona”.
Programas
Crianças e adolescentes de dois programas do Sesc participaram dos encontros realizados nas últimas semanas: Curumim e Juventudes.
No Curumim, são oferecidas gratuitamente ações culturais, corporais e ambientais, para crianças com foco no desenvolvimento integral. Por meio de vivências, oficinas, passeios e uma variedade de atividades, este programa de educação não formal promove a convivência, a experimentação, a cooperação, a ludicidade e o protagonismo, apostando na formação de cidadãos autônomos, éticos, solidários e cooperativos, com base na cultura do brincar.
Já o Juventudes desenvolve projetos que procuram levar em consideração a pluralidade e diversidade do público juvenil. Assim, convida o jovem a participar de ações processuais que fortaleçam a convivência, o diálogo e a troca de experiências, por meio de diferentes linguagens artísticas, acesso às informações e fortalecimento de relações afinadas com seus interesses.
Isolamento social afeta convivência
É fato que atender às orientações e ficar em casa para ajudar a frear a disseminação da covid-19 não está sendo fácil para ninguém. O educador do programa Juventudes, Maurício Marin Eidelman, acredita que seja legítimo os jovens dizerem isso. “Porque, de fato, a situação é difícil”.
Com a mente presa ao estereótipo de que os jovens só vivem no celular, muitas pessoas têm dificuldade de entender que o isolamento social também está sendo difícil para os adolescentes. “Nós, adultos, temos a visão de que eles ficam no celular, mas eles vivem e fazem de tudo.
Quando olhamos para a Educação, a situação que alunos e professores estão vivendo é cruel porque a escola não é só o conteúdo, é a convivência”.
Então, é direito dizer que está bom. E, na verdade, na opinião de Maurício, nunca esteve. Segundo ele, isso porque ainda são escassas as políticas públicas para a juventude, o que torna a sociedade até mesmo violenta para essa faixa etária. “Eles estão na correria em um mundo que mata jovens, principalmente, se você é um jovem negro”.
Legitimidade
Para a fonoaudióloga e pesquisadora na área da infância e juventude Simone Carvalho de Oliveira, a pandemia tem mostrado que é preciso redimensionar a questão da saúde, que não é apenas física, mas integral. Fora isso, também vem provar que, assim como os adultos, crianças e jovens sentem e entendem o mundo ao seu redor.
“Todo mundo acha que é o detentor do saber do que é ser criança. E, aí, a gente acha que sabe exatamente o que elas sentem ou acreditam”, explica Simone.
Isso faz com que, ao ouvir os pequenos, não se preste atenção ou considere a opinião deles de fato. “As falas das crianças e adolescentes são legítimas. E eles entendem esse momento, estão sofrendo, mas também vão se adaptando e pensando no coletivo. A gente precisa entender este cenário e levar como aprendizado que não existe um mundo apartado entre adultos e crianças”.