Prefeito de Mongaguá desabafa: 'Preferia que meu pai tivesse quebrado a sentir a dor que sinto'

Marcio Melo Gomes, o Marcio Cabeça (Republicanos) perdeu o pai e o irmão em um período de 5 dias, ambos vítimas da covid-19; na live sobre a pandemia o chefe do Executivo chorou, e a repercussão foi em nível nacional

Por: Júnior Batista  -  02/04/21  -  21:44
Prefeito falou sobre a pandemia, os dias difíceis e a repercussão da live
Prefeito falou sobre a pandemia, os dias difíceis e a repercussão da live   Foto: Matheus Tagé/AT

A cena do prefeito de Mongaguá, Márcio Melo Gomes, o Márcio Cabeça (Republicanos), chorando na transmissão que faz ao vivo pela internet, semanalmente, repercutiu em nível nacional. O motivo: no programa, sobre assuntos da pandemia, ele falou da perda do pai e do irmão em um período de 5 dias. Givaldo Alves Gomes, 64 anos, morreu no dia 22 de março, no Hospital Regional Jorge Rossmann, em Itanhaém. O irmão do prefeito, Givaldo Melo Gomes Júnior, 33 anos, morreu no dia 28. Ele estava na Santa Casa de Santos.


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Ao longo da quarta-feira (21), Cabeça deu diversas entrevistas relatando como se sentia, após dizer: “Como eu queria hoje sair dessa live aqui e poder ouvir do meu pai e do meu irmão assim: ‘eu quebrei. O meu comércio quebrou’. Sabe por quê? Porque nós já quebramos e, com a vida, nós conseguimos dar a volta por cima. E eu não vou ouvir deles isso mais”. O desabafo aconteceu porque ele foi acusado de estar quebrando os comércios da Cidade de propósito com as medidas de lockdown. “Eu tentei ser firme até ali, mas quando li isso, me tocou demais. Tocou profundamente, porque, antes de ser prefeito, eu também sou comerciante. Conheço de perto as dificuldades, mas nada se sobrepõe à vida. Com vida, a gente se recupera e ergue o comércio de novo. Sem isso, não resta mais nada, só dor”, diz ele.


O que aconteceu naqueles dias que antecederam à transmissão ao vivo?
O meu pai já havia sido internado no dia 9 de março e intubado. Ele estava lutando pela vida, mas, infelizmente, no dia 22 ele faleceu. No entanto, o meu irmão, que também estava internado com a doença, mas não intubado, não sabia. E quando meu pai faleceu, não quis que ele soubesse porque a pressão emocional poderia agravar o seu estado de saúde. Eu estava tentando me manter firme na frente dele, mas fiquei destruído quando perdi meu pai.

E aí veio a live...
Isso. Eu faço as lives sempre aos domingos, mas eu acabei cancelando a daquela semana porque fiquei com medo. Meu irmão, apesar de estar internado, tinha acesso ao celular e, acompanhando a live, poderia descobrir e eu queria protegê-lo. Mas não deu tempo. Meu irmão faleceu cinco dias depois do meu pai. Foi um dia depois do meu aniversário, que obviamente eu nem comemorei.


O que aconteceu naquele dia?
Eu não consegui fazer a transmissão, estava acabado, destruído. Assim como todas as pessoas que perderam seus familiares, eu não pude me despedir de nenhum dos dois. Naquele momento, não tinha condições de fazer a transmissão. Adiei para terça-feira. Antes de ser prefeito, eu sou humano, sou o Márcio. Só quis fazer a live quando estava um pouco melhor. Se você perceber, eu fiz a live durante um período mais concentrado, mas duas perguntas acabaram me desestabilizando.


Que perguntas?
Uma foi, caso acabasse o oxigênio, se eu tinha um plano B. Ora, eu respondi que meu plano B era segurar a pandemia. Usar máscaras, manter distanciamento. Eu estou fazendo troca de oxigênio 49 vezes por semana. E, agora, a questão que está se sobrepondo é a lotação das UTIs. Está faltando medicamentos para intubação. E não interessa se você tem dinheiro para comprar, está faltando remédios para serem entregues também. Então, quando você lê uma coisa dessas, percebe que não é uma questão de dúvida, ou de crítica, que recebo bem. É alguém agindo para gerar o ódio, gerar a briga desnecessária.


E a segunda pergunta?
A segunda foi uma afirmação de que eu estava fazendo lockdown de propósito, porque eu queria quebrar os comerciantes da Cidade. Antes de ser prefeito, eu sou comerciante. Meu pai era, meu irmão também. Naquele momento, eu desabei. Eu não consegui mais segurar, porque era justamente o ponto. Eu preferia que meu pai tivesse quebrado totalmente a sentir a dor que estou sentindo.


Após um ano de pandemia, por que o senhor acha que as pessoas ainda desrespeitam as medidas de isolamento?
Acho que é algo cultural. Eu entendo totalmente a dor do comerciante, porque eu vivi isso na pele. Sei como é quebrar, porque eu já quebrei. Mas 90% dos comerciantes já quebraram e se reergueram. Com saúde, há vida para reconstruir e assim foi feito. Era esse o desabafo, porque estamos lutando contra essa pandemia e a gente vê pessoas indo para um suicídio coletivo quando aglomeram. Você vai na praia, a Guarda Municipal tira a pessoa, quando a Guarda vai embora, ela volta. Sinceramente, precisava ter guarda na praia? Chegamos a um ponto em que todos já sabem o que é a pandemia, estamos há um ano nisso.


Falta informação, será?
Não sei, mas acho que as questões materiais precisam ser secundárias. Eu pedi para minha equipe de imprensa ir filmar as pessoas nas UTIs, mostrar isso para as pessoas verem. Eu acho que conseguimos muitas coisas. Nossa UPA tinha quatro respiradores, hoje temos 20. A Cidade não tinha tomografia, agora tem própria. Eu mantive muito o equilíbrio naquilo que é melhor para 56 mil moradores, não para uma minoria. Enquanto eu tinha um controle da doença, sem o colapso, estávamos cuidando. Mas agora estamos à beira do colapso total. Não tem medicamento para as pessoas intubadas. Sem condição de atender, elas morrem. Não havia morrido ninguém em nossa UPA até então. Agora, em 15 dias, morreram 15 pessoas. É preciso ter consciência disso. É muito sério o que está acontecendo.


Você esperava essa repercussão?
Não, de jeito nenhum. Eu nem queria que meu sofrimento aparecesse. Mas sou muito católico, acredito que Deus tinha um propósito. De repente, serve para que as pessoas entendam de uma vez por todas. Ontem, chegou uma hora em que eu queria parar de dar entrevistas, porque estava muito dolorido e nem era meu intuito repercutir assim. Mas entendi que era necessário.


O que falta para resolver essa situação?
Acho que tudo no País virou um problema que leva a um lado político fanático. Tanto os bolsonaristas quanto os anti-bolsonaro estão errados. Os dois estão equivocados. A gente só vai sair dessa pandemia com uma decisão uniforme. Se você alimenta ódio, discussão, briga, é ruim. E a internet, hoje, virou isso. Ou é contra ou é a favor do Bolsonaro. Isso não é bom. A situação estaria muito mais tranquila se tivéssemos uma união nacional, na minha opinião, em prol da vacinação em massa. Tem que ter vacina para todo mundo.


O senhor é de um partido que apoia o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que sempre foi contra o isolamento e negligenciou o uso de máscaras. Como o senhor fica nisso?
Acho que independentemente de partido, posição, ideologia, tem que ter uma posição correta. É preciso deixar de lado os fanatismos que ignoram os fatos e também tudo aquilo que prejudicam os mais pobres, que estão na ponta. Se o presidente fala algo que eu não concordo, não vou seguir. Faz um ano que eu falo que falta direcionamento, posicionamento. Eu sempre fui independente do presidente. Assim como achei uma medida totalmente irresponsável do prefeito de São Paulo (Bruno Covas, PSDB), apoiada pelo Estado (governador João Doria, PSDB - nota da redação: na verdade, o governador se posicionou contrário aos feriados), de decretar esse feriadão. O turista, é cultural, tem dias de folga, ele acha que tá de férias. Ele vem para a Baixada e nós não temos condição de aguentar isso. Estou falando desde sempre: bloqueia o acesso nos pedágios. “Ah, mas é inconstitucional”. Estamos num estado excepcional, numa pandemia, o direito à vida também é constitucional. Apesar de ter ganhado a eleição, eu era contra ter feito as eleições. Não tem como fazer eleição sem conversar diretamente com as pessoas. Eu acho que, em situações mais calmas, as pessoas relaxam. E foi o que aconteceu. Agora, é preciso ter foco: vacina.


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