Prefeito de Araraquara fala sobre lockdown e queda de mortes por Covid na cidade

Em entrevista exclusiva para A Tribuna, Edinho Silva revela que município implantou restrição por dez dias em fevereiro, e em pouco mais de um mês teve o 1º dia sem registro de óbitos

Por: Arminda Augusto  -  28/03/21  -  10:04
Araraquara zerou o registro de óbitos após lockdown
Araraquara zerou o registro de óbitos após lockdown   Foto: Divulgação

A cidade, localizada a 270 quilômetros da Capital e com cerca de 240 mil habitantes, foi a primeira a adotar o lockdown no Estado de São Paulo. Naquele momento, 21 de fevereiro, o município vivia a ocupação máxima dos leitos para covid-19 e já havia identificado que 93% dos casos de contaminação eram pelas novas cepas do vírus, mais agressivas e que demandam mais tempo de internação.


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Para o prefeito Edinho Silva (PT), reeleito no ano passado, a adoção do lockdown era a única forma de conter o avanço da doença e dar tempo paraque o sistema de saúde saísse do estrangulamento.
Na última sexta-feira, durante coletiva no Palácio dos Bandeirantes, ele comemorava o fato de não registrar, naquele dia, nenhuma morte por covid-19 nas últimas 24 horas, depois de 45 dias consecutivos contabilizando óbitos pela doença.


Na entrevista abaixo, o prefeito explica como foi o entendimento com os demais municípios vizinhos (Araraquara está em uma região conurbada, com outros 24 cidades) e os desafios que enfrentou por ser o único a adotar a medida mais restritiva da pandemia.


Araraquara também criou uma política de combate à contaminação com elementos diferentes. Entre eles, o monitoramento ativo e diário das pessoas em quarentena doméstica e a criação de um espaço público para acolher os pacientes que não têm condição de fazer o isolamento em casa. “Mas a guerra ainda não acabou”, diz o prefeito.


Leia a entrevista na íntegra


Araraquara também pertence a uma região metropolitana, com outros 24 municípios, mas adotou sozinha o lockdown. Como foi a conversa com os vizinhos?


Não é simples porque cada prefeito tem uma concepção. O debate que a gente observa em esfera nacional também acontece nos municípios. Então, tem prefeito que se apoia mais na ciência, tem prefeito negacionista e por aí vai. Quando o eleitor escolhe seu representante ele tá expressando o que a sociedade pensa naquele momento. Se o prefeito é conservador ou liberal, é o retrato do que pensa a sociedade que o elegeu. Vivemos um momento muito difícil na sociedade brasileira, de uma falsa contradição, uma contradição mentirosa entre economia e vida.


Como assim?


A economia só vai voltar a crescer quando tivermos estabilidade. Não há na história mundial um país que tenha crescido economicamente em cima da instabilidade. A economia precisa de estabilidade para voltar a crescer, e em um momento de pandemia, nós não temos. Então, o problema da economia hoje não é o isolamento, é a instabilidade gerada pela pandemia. É preciso ter gestão sobre ela para a economia voltar a crescer. O mundo tá fazendo isso: Estados Unidos, países europeus, China. É preciso ter vacinação em massa para alcançar a estabilidade.


Então, como ainda não temos vacinação em massa..


Como ainda não temos vacinação em massa, a única forma que se tem para fazer gestão da pandemia e não perder o controle - que é ter mais gente doente do que oferta de leitos - é o isolamento social.


Mas houve o entendimento dessa situação por parte dos prefeitos vizinhos?


Eu tenho conversado muito com os prefeitos da região, mas claro, alguns adotam medidas restritivas, outros não. Lockdown mesmo só aqui, e o que acontece é que muitos pacientes de outros municípios acabam vindo para os hospitais de Araraquara. Hoje, tenho 30 pacientes de São Carlos aqui, porque lá não há vaga. São Carlos foi a primeira cidade a rechaçar o lockdown e lá não há mais vagas para internação.


Atualmente, qual a porcentagem de ocupação dos leitos da cidade por moradores de Araraquara?


Metade dos internados são de Araraquara, e esse é um número excelente porque, 20 dias atrás, eram 80%. Era assustador. Estávamos transportando pacientes para outras cidades do Estado de São Paulo. Isso não acontece mais hoje. Temos hospital de campanha, montado no ano passado, que não desativamos. Foi criado para 51 leitos e está agora com 71. Temos também uma unidade de suporte, que só tem enfermaria. Tinha 20 leitos, agora está com 48. Atualmente, temos 97 vagas de UTI e 144 de enfermaria. Estamos com 80% das vagas de enfermaria ocupadas, e 91% na UTI.


Aqui em Santos, já acontece de hospitais particulares solicitarem vagas de internação na rede pública. Araraquara também viveu ou vive essa situação?


Temos aqui dois hospitais privados. Um deles tem uma rede grande, que se espalha pela região, mas o outro chegou a nos consultar, sim, se tínhamos leito. Nós não tínhamos naquele momento, mas houve a demanda, sim.


Alguém morreu por falta de leito?


Não, isso não, porque adotamos alguns modelos que nos facilitaram. Transformamos uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em central de referência em covid. Assim, os pacientes covid não ficam circulando pela cidade. Quando a demanda nessa UPA cresceu demais, nós equipamos com mais leitos e respiradores. Assim, chegamos a ter pacientes aguardando leito, mas todos eles assistidos. Ninguém morreu por falta de vaga. Agora, estamos há 20 dias sem nenhum paciente aguardando internação.


Araraquara criou uma Unidade de Quarentena para os positivados. Como funcionou isso?


Ainda está funcionando. Nós criamos em 2020 uma estrutura que funcionou muito bem: uma testagem universal para todos os sintomáticos, a telemedicina, em parceria com a Unesp, para monitorar os que estão em quarentena domiciliar. As equipes de bloqueio os mantêm em isolamento, e foi aí que percebemos que alguns não tinham condição de ficar isolados em casa, muitos porque a moradia não permitia isso. Então, criamos a Unidade de Quarentena, com 44 vagas, para acolher os pacientes positivados durante a quarentena.


A maior parte dos contaminados deste ano é pelas cepas novas, mais agressivas?


Exatamente, tivemos uma curva ascendente da média móvel diária já em janeiro. Enviamos as amostras para estudo e detectamos a cepa de Manaus. Na primeira semana de fevereiro, colocamos Araraquara na fase vermelha e fomos atrás de oxigênio, cilindros, ampliação de leitos. Se não tivéssemos feito isso naquele momento, não teríamos dado conta da situação.


Como foi o entendimento com o setor empresarial?


Eu não posso reclamar. Tenho conversado desde o ano passado com os empresários e sindicatos de trabalhadores. Maciçamente, recebi muito apoio. Alguns empresários entraram com medida judicial para reabertura de seus comércios e conseguiram uma liminar. E tive também vários outros empresários se manifestando a favor da Prefeitura. Teve manifestação e carreata contra a medida também, mas considero ato isolado. No geral, acho que houve apoio majoritário.


Foi preciso fazer barreira sanitária para controlar os acessos ao município?


Fizemos durante todo o lockdown.


Foi preciso aplicar multa aos infratores?


Sim, muitas. Você tem que fazer valer o poder de polícia, senão o lockdown se perde. Se você não mantiver o rigor, ele vai perdendo a força. As pessoas estão no limite, os comerciantes, o pequeno e médio empresários...você não vê uma linha de crédito para socorrê-los...


E como manter esse quadro mais confortável após o lockdown?


Bom, nós ainda estamos na fase vermelha com mais restrições do Plano São Paulo, e seguindo as regras gerais. Mas não vamos perder o que foi conquistado. Na Capital começou o feriadão de nove dias, então, vamos monitorar a entrada de turistas e também decretamos feriado municipal na quarta e na quinta-feira. Não posso arriscar.


O que Araraquara fez para ajudar os comércios fechados?


Suspendi toda execução judicial, criamos o Refis com 96 parcelas, prazo para começar a pagar, moratória para débitos pequenos de devedores. Foi um pacote grande de ajuda para pessoa física e jurídica. Para as pessoas físicas, ampliamos o programa de Segurança Alimentar, para que nenhum morador ficasse sem comida, criamos um 0800 para pedidos e também para doações. Mas carecemos de um pacote do Governo Federal de crédito para esses setores atingidos, como os americanos estão fazendo. O auxílio emergencial também precisa voltar com urgência.


Araraquara já viveu o lockdow e agora colhe alguns frutos desse rigor. O que dizer à população da Baixada Santista, angustiada com essa medida e suas consequências?


Tenho conversado muito com o prefeito de Santos, Rogério Santos. Ele e os demais adotaram porque não havia outra forma de conter a contaminação neste momento. Nenhum prefeito decreta medida restritiva por prazer, até porque o município sofre com queda de arrecadação, desacelera setores da economia. Mas não vai existir retomada de economia com instabilidade gerada pela pandemia. Como não temos ainda ritmo acelerado de vacinação, a única forma de fazer gestão sobre a pandemia e iniciarmos a retomada das atividades econômicas salvando vidas é, sem dúvida, com isolamento social. É um remédio amargo, mas necessário inclusive para que a economia volte a girar.


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