Há 20 anos, o Brasil perdia Mario Covas

O santista foi uma liderança política marcante e sua vida se confunde com a História do País, na segunda metade do século 20

Por: Sandro Thadeu  -  06/03/21  -  22:05

Um santista engenheiro de obras e de composições políticas está eternizado na História brasileira. Com atitudes contundentes, posicionamentos claros e coragem, Mario Covas tornou-se um exemplo de homem público. Há exatas duas décadas, aos 70 anos, ele morreu, após perder a luta contra o câncer. Covas tinha a pretensão de ser prefeito em sua cidade natal, comandar o Alvinegro da Vila Belmiro e presidir o País. Porém, a vida reservou outros desafios.


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Formado em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), o santista trabalhou na Prefeitura e foi o responsável por comandar o resgate das vítimas do deslizamento do Morro do Marapé, em março de 1956. Na ocasião, 21 pessoas morreram e 50 casas foram destruídas.


Em 1961, ele foi convencido a ingressar na política ao candidatar-se a prefeito de Santos pelo minúsculo PST, com o apoio de setores estudantis e sindicais, e tinha o apoio do presidente Jânio Quadros (UDN).


O engenheiro terminou em segundo na disputa, com 22 mil votos, 4 mil a menos que Luis La Scala Júnior, do PSP, que tinha o apoio do então chefe do Executivo Silvio Fernandes Lopes. Na época, 91 mil cidadãos estavam aptos a votar.


Covas morreu aos 70 anos, vítima de um câncer
Covas morreu aos 70 anos, vítima de um câncer   Foto: Raimundo Rosa/Arquivo/AT

Contra o golpe


No ano seguinte, Covas, de forma ousada, concorreu a uma vaga na Câmara e foi eleito pelo PST, dando início à trajetória promissora na política, em 1963.


Em 12 de dezembro de 1968, os parlamentares desafiaram a ditadura ao reafirmar a soberania do Congresso e ao negar a licença de cassação do deputado Márcio Moreira Alves (MDB, do estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro), o político santista fez um discurso histórico em defesa da democracia. 


Em 16 de dezembro do ano seguinte, teve o mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Ao contrário de outras grandes lideranças, Covas não buscou exílio, conforme lembrou o ex-deputado federal e estadual Koyu Iha.“Perguntei sobre exílio. Ele respondeu: ‘Não roubei e não matei ninguém. Por que eu tenho de deixar o meu país?”.


O retorno 


Após recuperar os direitos políticos, em janeiro de 1979, Covas foi eleito deputado federal pelo PMDB em 1982. Em maio do ano seguinte, assumiu a Prefeitura de São Paulo, após ter sido indicado pelo governador Franco Montoro (PMDB). Ficou no cargo até 1985. 


Em 1986, o santista conquistou uma vaga no Senado. Durante a Constituinte de 1987, liderou o partido. Em 1988, foi um dos fundadores do PSDB e tornou-se o primeiro presidente da legenda. 


Em 1989, concorreu ao Palácio do Planalto e terminou em quarto lugar. Em 1994, foi eleito governador e reeleito, em 1998, quando foi detectado um grave câncer na bexiga. 


Após o tumor ter sido retirado, a doença voltou em outubro de 2000 e em 22 de janeiro do ano seguinte ele se afastou. Em 6 de março, o tucano morreu e o corpo foi sepultado no Cemitério do Paquetá. 


Na avaliação de Koyu, a forma transparente e direta sobre o estado de saúde representou a coerência de toda a vida. “Ele foi o primeiro político, no exercício da função, em âmbito nacional e, talvez, até internacional, a dizer que estava com uma doença grave”.


Koyu lembrou que, após ser cassado, Covas não buscou exílio
Koyu lembrou que, após ser cassado, Covas não buscou exílio   Foto: Claudio Vitor Vaz/Arquivo/AT

Para Alckmin, era o ‘Pelé da política’


Vice de Covas, Geraldo Alckmin assumiu o Palácio dos Bandeirantes pela primeira vez em 2001 e destacou que o colega de legenda era o “Pelé da política”.


“O governador tinha um grande apreço pela democracia e uma enorme sensibilidade para o social. Estava sempre junto ao povo, quando foi engenheiro em Santos, como nos mutirões realizados em São Paulo. Tenho a honra de ter sido o co-piloto de um grande gestor”, ressaltou.


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também enalteceu o legado do amigo em um depoimento exclusivo para A Tribuna ao citar que Covas “foi um dos maiores políticos que o Brasil já teve” e que faz muita falta.


“O Mario defendia com ardor aquilo que acredita que poderia ser melhorado. Ele era uma pessoa de boa-fé, tinha coração, sentimento e visão do Brasil”, frisou.


Polícia Federal ouve Geraldo Alckmin em São Paulo
Polícia Federal ouve Geraldo Alckmin em São Paulo   Foto: Irandy Ribas

Exemplo de vida


O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), disse que o avô sempre foi um exemplo de vida e inspiração na política por ter um olhar social diferenciado e sincero.


“Nesses 20 anos da ausência dele, me restam saudades, orgulho e gratidão. O melhor do Bruno Covas tem muito do Mario Covas. O que além de grande responsabilidade, é um privilégio”, afirmou.


Há dúvidas na gestão Covas se é preciso manter leitos na rede privada
Há dúvidas na gestão Covas se é preciso manter leitos na rede privada   Foto: Governo do Estado de São Paulo

Presidir o Santos FC, um dos sonhos 


Um dos sonhos de Mario Covas era presidir o Santos Futebol Clube, o time de coração. Embora não tenha concretizado esse objetivo, ele torcia com muita paixão e não escondia a decepção quando a equipe perdia.


No dia 26 de março de 2000, na edição especial de aniversário de A Tribuna, foi publicada uma longa entrevista com o então governador para tratar das suas lembranças e avaliações sobre o Alvinegro da Vila Belmiro.


Em 5 de fevereiro de 2001, o então chefe do Executivo paulista entrou para a história do clube ao se tornar o primeiro conselheiro emérito da instituição.


Torcida fervorosa


O filho Mario Covas Neto, o Zuzinha, lembrou que o pai gostava de participar ativamente como torcedor nos jogos, até mesmo quando acompanha os jogos do Peixe pela televisão.


“Eu tenho a recordação do meu pai acabar chutando uma cadeira ou o que tivesse na frente. Ele não fazia isso por raiva, mas de forma instintiva, como se fosse um reflexo da partida, como se estivesse dentro do campo. Meu pai torcia para valer”, destacou.


Torcer para o Santos foi algo natural para o filho e para o neto Bruno Covas. “Confesso que não sou torcedor fanático como era meu avô, essa herança foi passada direto ao meu filho Tomás, um santista ‘roxo’ como o bisavô”, destacou o prefeito de São Paulo.


Zuzinha lembrou que o pai gostava de participar ativamente como torcedor nos jogos do Santo
Zuzinha lembrou que o pai gostava de participar ativamente como torcedor nos jogos do Santo   Foto: Nirley Sena/Arquivo/AT

Família era de origem espanhola 


A família de Covas era de Pontevedra, na Galícia, norte da Espanha. O ex-governador não negava as origens ao entrar para valer em discussões com um jeitão boca-dura, marcado pela sinceridade, emoção e autenticidade.


No dia 23 de janeiro de 2001, um dia após se licenciar do Governo do Estado para tratar um câncer, ele veio de helicóptero da Capital a São Vicente para conhecer as primeiras 72 casas da urbanização da favela México 70, pois considerava a obra social mais importante de sua gestão. 


Ao ser questionado sobre essa viagem (a última à região antes de sua morte), o tucano, em uma cadeira de rodas, respondeu de forma direta: “A gente vai tocando para a frente. Quando cair, a gente para. Não sou maluco, eu conheço a minha força. Ninguém quer se suicidar”.


Irritação


Ex-deputado estadual e federal pelo PMDB e PSDB, Koyu Iha lembra que Covas não escondia a irritação quando era chamado de “prefeito biônico” de São Paulo. 


Conforme o ex-parlamentar, o santista foi indicado para o cargo pelo então governador Franco Montoro (PMDB), mas isso precisou ser aprovado na Assembleia Legislativa. 


“O nome dele foi referendado pelo Parlamento em uma votação decidida por um voto, graças ao voto de Minerva. Poucas pessoas se recordam desse fato e fazem confusão com os prefeitos biônicos que eram indicados sem aprovação do Legislativo”, justificou.


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) relembrou que participou de um evento em Santos e um cidadão deixou Covas muito irritado. O motivo? Ter sido chamado de “prefeito biônico”.


“Era um local com uma luz fraca, havia umas árvores perto e pouca gente. Era um comício fraco. De repente, um bêbado começou a xingar o Mario. Ele não teve dúvidas: queria descer para bater no cara”, afirmou.


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