Sobrevivente de deslizamentos em Guarujá reencontra homem que o salvou; assista

ATribuna.com.br registrou encontro entre Ricardo Cicarello, morador da Barreira do João Guarda, e Everaldo Santos Santana, que o salvou

Por: Rosana Rife  -  09/03/20  -  09:13

O que seria uma despedida virou uma celebração de vida. Aos 17 anos, Ricardo Cicarello Manosso diz que nasceu de novo. “Da pior forma possível”, brinca. Ele foi um dos poucos moradores da Barreira do João Guarda, em Guarujá, a sobreviver à tragédia provocada pelas chuvas e um dos primeiros a ser socorridos pela corrente do bem formada pelo pessoal da comunidade, na madrugada da ultima terça-feira.


Após centenas de barracos desabarem, muita lama vir abaixo e dezenas de famílias chorarem a perda de seus entes, o forneiro de pizzaria pôde, enfim, dar uma abraço na irmã, Denize Santiago Toledo, 22 anos, e no anjo da guarda Everaldo Santos Santana, 21 anos, que o salvou da morte.


Foi Everaldo, junto com outros moradores da Barreira, que surgiu por volta da 1h30 de terça-feira, no meio do temporal e com o morro desabando, para socorrê-lo. Antes mesmo da chegada do Corpo de Bombeiros. Ricardo passou cinco horas debaixo dos escombros, com a certeza que não sairia dali, e pedia para darem um recado à irmã: “Diz que a amo. Amo minha família”.


Recado que, graças à mobilização de Everaldo e seus colegas, foi dado pessoalmente na última sexta-feira, em encontro promovido por ATribuna.com.br.


Um abraço emocionante no reencontro entre Ricardo e Everaldo
Um abraço emocionante no reencontro entre Ricardo e Everaldo   Foto: Carlos Nogueira/AT

Desespero


As marcas da tragédia ainda estão espalhadas por praticamente todo o corpo. Na memória, as lembranças formam um pesadelo que jamais teria imaginado. “Eu só pensava: vou morrer. Não acredito que vou morrer dessa forma”.


Era por volta da 0h30 quando a casa onde Ricardo morava com a irmã, no alto do morro, veio abaixo. “Não fui trabalhar aquele dia porque peguei uma gripe. Estava na cama. Levantei, dei uma olhada na janela, a chuva estava muito forte, descendo do morro e vi a correnteza no quintal de casa”.


Na sequência, entrou no banheiro, o que foi a salvação. “Entrei e já vi a porta, a parede do quarto, tudo sendo levado. Fiquei preso entre as paredes do banheiro e soterrado até o tórax. Não conseguia me mexer. Não passava sangue para as minhas pernas”.


Ricardo ficou por volta de 1h30 pedindo socorro até ser encontrado. “Sozinho, no escuro. Acho que cheguei a desmaiar uma duas vezes. Gritei muito. Achei que ia morrer afogado, porque a água estava chegando perto da minha boca, quando chegou um cara sozinho pedindo para me acalmar”.


Mesmo sozinho, o morador  tentava evitar que a água fosse na direção dele. A solução: cavar um buraco para desviar da chuva. “Eu vou morrer afogado, moço. A água está subindo, moço”, dizia Ricardo.


Aos poucos, foi surgindo mais gente para ajudar. Com dores insuportáveis, ele pedia a todo instante para morrer. “Foi horrível demais. Falava: bate na minha cabeça. Tira minha vida. Não tinha mais como segurar tanta dor nesse corpo. E, ao mesmo tempo, dava graças a Deus por minha irmã não estar em casa”.


Ricardo não segurou o choro ao reencontrar homem que salvou sua vida
Ricardo não segurou o choro ao reencontrar homem que salvou sua vida   Foto: Carlos Nogueira/AT

Detalhes


O resgate levou intermináveis cinco horas. As mãos dos moradores foram os primeiros instrumentos usados para cavar a terra e evitar que ele fosse encoberto pela lama. Panelas, enxadas, facão para cortar madeira. Tudo o que conseguiam na hora, no improviso, era usado para retirar entulhos e restos de moradias que vinham abaixo.


“A gente só tinha no começo as mãos. Eram nossas 'máquinas' cavando. Depois um foi trazendo marreta, outro um martelo, chegou uma talhadeira e fomos quebrando o material até a coxa dele para conseguir retirá-lo”, explica Everaldo.


Encontro


Sem saber que o anjo da guarda estava a metros de distância, Ricardo vai lembrando aos poucos da verdadeira operação de guerra montada pelos moradores para salvá-lo e uma das primeira imagens que vem à mente é justamente a de Everaldo.


“Ele falava para não me deixarem dormir. Fazia piada. Segurou a minha mão e disse uma frase que não vou esquecer: 'só saio daqui quando você sair também'”. Perguntado se teria alguma coisa para falar para Everaldo, ele responde de imediato: “Valeu por acreditar em mim”.


Frase que ele também repetiu pessoalmente, após um forte e emocionado abraço. O reencontro durou quase uma hora. Tempo suficiente para decidirem que Everaldo passou a ser o novo integrante da família e combinarem uma pizza. “Ele é meu anjo da guarda. Não tenho como agradecer”..


ATribuna.com.br promoveu encontro entre Ricardo e Everaldo
ATribuna.com.br promoveu encontro entre Ricardo e Everaldo   Foto: Carlos Nogueira/AT

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