Fundo Eleitoral põe custo da democracia em xeque

Analistas consideram necessário o financiamento público das eleições, por equilíbrio

Por: Sandro Thadeu & Da Redação &  -  26/01/20  -  23:36
Assessores políticos são responsáveis pelos bastidores da campanha eleitoral
Assessores políticos são responsáveis pelos bastidores da campanha eleitoral   Foto: ( Irandy Ribas/Arquivo)

A democracia tem um custo. Mas quem deveria arcar com ele, após o fim do financiamento privado das campanhas políticas? O dilema vem à tona com as proximidades das eleições municipais, em 4 de outubro.


Após fazer suspense e apresentar justificativas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou a lei aprovada pelo Congresso, que prevê R$ 2 bilhões ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o Fundo Eleitoral.


Apesar de a quantia ter provocado indignação, é insuficiente para equilibrar o jogo. Quanto mais acirrada for a disputa, o resultado do pleito tende a ser melhor, conforme especialistas.


Com base em número de anos anteriores, estima-se que mais de 500 mil pessoas concorrerão a prefeito, vice ou vereador neste ano. O problema é que o modelo de distribuição desses recursos será definido pelos diretórios nacionais dos partidos. A tendência – até por uma questão de sobrevivência das legendas – é que os candidatos com maior potencial sejam beneficiados.


Por exemplo: em 2018, quando o Fundo Eleitoral foi usado pela primeira vez, a jornalista Rosana Valle foi uma aposta do PSB para conseguir uma vaga na Câmara Federal e acabou beneficiada com essas verbas.


Dos R$ 377.148,25 arrecadados por ela na campanha, 91,35% vieram desse fundo por indicação das direções nacional e estadual da sigla, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


O coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Humberto Dantas, entende que a divisão igualitária desse dinheiro não seria viável, pois feriria a autonomia de atuação dos partidos e prejudicaria sua estratégia de campanha.


Dantas justifica que uma sigla pode priorizar disputas em cidades médias, não nas grandes, ou apostar fichas em candidaturas de um determinado Estado.


“O Fundo Eleitoral é a falência da capacidade dos partidos políticos dialogarem com a sociedade e obterem dela um mínimo de credibilidade. Em uma democracia pujante, o utópico seria que os cidadãos, por livre e espontânea vontade, doassem dinheiro às siglas e às campanhas”, diz.


Necessidade


A diretora de Operações da Transparência Brasil, Juliana Sakai, entende o Fundo Eleitoral como necessário, caso a sociedade não aceite o financiamento de empresas – cujo capital pode influenciar decisões de governos.


“O cidadão não quer gastar dinheiro do seu bolso financiando campanhas? Então também não teria motivos para ser membro de partidos e financiá-los diretamente”, compara.


Essa, porém, não é uma cultura do brasileiro, analisa Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.


“Por outro lado, a gente sempre teve uma lei que permitiu a doação das corporações (como empresas). Por que os partidos iriam gastar muita energia para conseguir várias pequenas doações (de cidadãos), se eles poderiam conseguir uma grande? É uma questão de ganho de escala”, justifica a cientista política.


Verba para candidatas requer avanços


A Resolução 23.605/ 2019, do TSE, estabelece diretrizes gerais para a gestão e distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral. A norma obriga que 30% das verbas sejam direcionadas para campanhas de candidatas do sexo feminino.


Para a doutoranda e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Hannah Maruci Aflalo, essa medida é positiva, mas insuficiente.


“O cumprimento e a fiscalização dessa regra são problemáticas. Em segundo lugar, esse mesmo critério, adotado em 2018, abriu margem para muitas interpretações, o que permitiu, por exemplo, que a maior parte ou até o total desse percentual fosse destinado a uma única candidata”, destaca.


Hannah é articuladora do Movimento Mais Mulheres na Política. O grupo propôs um projeto de lei para incentivar as legendas a investirem em candidaturas do sexo feminino.


A ideia é que um critério para se receber dinheiro do Fundo Partidário (pelo qual 48% dele são divididos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara Federal) seja detalhado e passe a ter peso 2 para mulheres.


Conforme Hannah, uma pesquisa da qual ela fez parte apontou aumento significativo de verbas a candidatas entre 2014 e de 2018. “Vejo a implementação do Fundo Eleitoral de maneira positiva e não acredito que ela represente algum tipo de falência partidária. Porém, atento para a necessidade de critérios claros e mais justos na distribuição desses recursos.”


Diretórios regionais ignoram critérios para dividir dinheiro


Os maiores beneficiários do Fundo Eleitoral neste ano serão PSL e PT. Cada sigla receberá em torno de R$ 200 milhões. O MDB, em terceiro lugar, cerca de R$ 150 milhões.


Os valores ainda não foram definidos pelo TSE. As projeções se baseiam nos critérios definidos pela Lei Federal 13.488/2017.


Segundo o coordenador do PT na Baixada, Alfredo Martins, ainda não está definida a distribuição das verbas de campanha. O presidente estadual do PSL, deputado federal Júnior Bozzella, e o responsável pelo MDB em Santos, vereador Antônio Carlos Banha Joaquim, dizem o mesmo.


Autor do livro Sinopses Jurídicas – Direito Eleitoral, da editora Saraiva, o juiz Ricardo Cunha Chimenti recorda que esse fundo foi criado em 2017 para compensar o fim do financiamento privado.


Segundo o magistrado, esses R$ 2 bilhões virão do Orçamento da União. “O que não for utilizado pelos partidos deverá ser devolvido.”


Chimenti lembra: para bancar legendas e campanhas, também há Fundo Partidário: R$ 959 milhões neste ano. Das 33 siglas, nove não o receberão por não ter atingido cláusula de barreira em 2018.


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