Ensino domiciliar volta ao debate na Câmara dos Deputados

A intenção do Governo Federal é aprovar a medida neste semestre

Por: Tatiane Calixto  -  10/05/21  -  14:42
  Socialização em sala de aula é ponto considerado por especialistas
Socialização em sala de aula é ponto considerado por especialistas   Foto: Unsplash

Promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partida), o ensino domiciliar - homeschooling, em inglês - está sendo debatido na Câmara dos Deputados. O projeto sobre o tema parou por conta da pandemia, mas avançou com a nomeação da deputada Luisa Canziani (PTB-PR) como relatora. A intenção do Governo é aprová-lo neste semestre. Mas o tema está longe de ser unanimidade.


Clique e Assine A Tribuna por apenas R$ 1,90 e ganhe acesso completo ao Portal e dezenas de descontos em lojas, restaurantes e serviços!


Em 2018, a oferta do ensino domiciliar na Educação Básica foi debatida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na decisão, o STF apontou para a necessidade de lei aprovada pelo Congresso para regulamentar o tema. Agora, o projeto tramita em conjunto com outras sete propostas sobre o mesmo assunto.


O presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Rick Dias, afirma que é importante ter um projeto tão próximo de ir a plenário, mas faz ressalvas. Ele frisa que este não é um assunto novo e há pelo menos 27 anos existem projetos na Câmara com o objetivo de regulamentar a educação domiciliar.


Para ele, o projeto não pode permitir uma interferência excessiva do Poder Público. “A educação domiciliar não é apenas uma questão de pedagogia, mas também de liberdade”.


Segundo Dias, em 2019, existiam cerca de 11 mil famílias e 22 mil estudantes entre 4 e 17 anos adeptos ao modelo. “Há uma grande dificuldade de fazer um censo, mas podemos dizer que para cada família praticando ensino domiciliar, existe ao menos mais uma escondida por temer processos”.


Com a pandemia, ele projeta um salto para 25 mil famílias, pois durante esse período muitos pais perceberem que os filhos estavam rendendo mais em casa e optaram pelo modelo.


Para ele, entre os principais pontos positivos do ensino domiciliar está a possibilidade de trabalhar com as crianças de forma personalizada, desenvolvendo aptidões e talentos.


Socialização


Para os críticos do homeschooling, a falta de socialização é um importante argumentos, mas para o presidente da Aned, isso não passa de um mito. “A socialização escolar é pobre porque você pega uma criança de 7 anos e coloca junto com outras 30 também de 7 anos, da mesma classe social, cultural e econômica. Na educação domiciliar, elas frequentam praças, parques, museus, bibliotecas, têm vizinhos e primos, numa socialização mais rica”.


Para Fredric Litto, presidente da Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), a socialização pode ser um ponto negativo, mas as famílias conseguem resolvê-lo ao “facilitar a participação dos filhos em jogos esportivos no bairro e em clubes, oferecendo engajamento social”.


Favorável ao assunto, ele enumera pontos positivos, que vão desde a possibilidade de alunos com doenças ou problemas físicos que dificultem o acesso à escola terem o ensino formal até a correção do que enxerga como uma falha estrutural: o excesso de isonomia.


“Alunos jovens com interesses específicos não têm como se aprofundar nos conhecimentos científico e humanístico que se encontram além dos modestos currículos oferecidos nas escolas públicas. A educação domiciliar permite que curiosos e esforçados se tornem estudiosos de assuntos que captam sua imaginação, assegurando a preparação para o Ensino Superior”.


Proposta recebe diversas críticas


O debate sobre o homeschooling em meio à pandemia é, além de equivocado, fora de tempo. Essa é a opinião de Lucas Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais do movimento Todos Pela Educação. “Hoje, temos milhões de alunos que não conseguem estudar de forma adequada”.


E, para ele, isso exige a definição de prioridades, já que o Congresso tem outras tantas pautas para analisar. “Colocar isso é retirar da pauta emergências como mais recursos para que as escolas recebam os alunos com segurança quando for coerente voltar e garantia de conectividade dos estudantes no ensino remoto, além de temas estruturantes, como a questão da valorização dos professores”.


Para ele, além de não haver nenhuma evidência de que é possível garantir uma aprendizagem adequada neste modelo, a medida pode ser “um passe livre” para o abandono escolar. Isso porque famílias, por diversos motivos, poderiam tirar a criança da escola com esse argumento. O impacto negativo seria grande, já que a escola é um local de proteção social. Sem ela, afirma, há o risco de aumento, por exemplo, de casos de trabalho infantil e abusos.


O especialista também argumenta que a socialização proporcionada pelo convívio na escola é essencial na formação dos alunos. “A escola é um ambiente de construção da sociedade. São formados não só estudantes para o mercado, mas para que sejam cidadãos. Sem a socialização com pessoas diferentes de você, há um risco de prejuízo à qualidade da nossa democracia”.


Núcleo social


Na opinião de Francisco Borges, consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) e mestre em Políticas Públicas do Ensino, a escola é um dos núcleos sociais mais importantes, principalmente no Brasil, onde os alunos vão para o colégio para sair da rua e amenizar os riscos da fome, da violência, das drogas e do crime. “Com o homeschooling, vamos pensar em tirar do Estado esta responsabilidade?”


Para Borges, esse é um debate para poucos, por isso seria melhor focar no reforço ao apoio às escolas de modo a cumprirem o seu papel de maneira eficiente.


“Pulverizar mais este papel é algo que só poderia acontecer com um governo que não tem, claramente, qualquer plano para a Educação”, critica.


Logo A Tribuna
Newsletter