Estudantes de Medicina da Baixada Santista apoiam movimento #medbikini nas redes sociais

'Aos poucos estamos mudando esse cenário', afirma aluna, em protesto ao estudo sobre o impacto de conteúdos 'não profissionais' publicado por profissionais da saúde

Por: Beatriz Araujo  -  06/08/20  -  11:28
Kamilla Mayr, estudante de medicina, foi uma das participantes da publicação do Coletivo
Kamilla Mayr, estudante de medicina, foi uma das participantes da publicação do Coletivo   Foto: Reprodução/Instagram

“Ser uma estudante de Medicina mulher é desafiador. É saber que a história da Medicina foi feita por homens, que os principais cargos de trabalho são ocupados por homens e que quem avalia e classifica os artigos científicos também são, predominantemente, homens”. O desabafo é de Letícia Franco, de 21 anos, em apoio ao movimento internacional #medbikini, em que mulheres uniram forças para denunciar o machismo na área médica.


O protesto é contra o estudo publicado pelo Journal of Vascular Surgery, que teve como objetivo demonstrar que o conteúdo das redes sociais dos profissionais afetam sua relação com o trabalho, assim como sua reputação e a da área médica como um todo. 


No artigo, foram identificadas como 'não profissionais' fotos segurando ou consumindo álcool e com 'vestuário inadequado', publicações de fotos com roupas íntimas e ‘poses provocantes’ de biquíni, por exemplo.


“No momento em que soube do ocorrido, da publicação do artigo científico com caráter sexista, um sentimento de revolta e tristeza surgiu em mim”, diz Letícia. E assim como diversas outras mulheres ao redor do mundo se engajaram no movimento #medbikini, ela resolveu mobilizar as estudantes de Medicina da Baixada Santista, que fazem parte do Coletivo Feminista Flor Por Onde For, a se pronunciarem. Letícia é uma das idealizadoras do coletivo, que foi fundado em 2019.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O Journal of Vascular Surgery publicou um artigo que avaliava certos comportamentos "anti profissionais" na vida pessoal de cirurgiões vasculares, e o possível impacto na relação médico-paciente. A metodologia foi utilizar perfis falsos no instagram para analisar redes sociais PRIVADAS de médicos e médicas. Postar fotos segurando bebidas e postar fotos de bikinis foram considerados comportamentos potencialmente anti profissionais pelo artigo. Após a repercussão, o artigo foi apagado. Apagar o post por pressão pública não é suficiente, temos que refletir sobre nosso papel na sociedade e o quanto o machismo tem raizes estruturais, sobretudo na medicina. ⁣ Os médicos em geral, sobretudo as mulheres, são colocados em um patamar de "heróis" e pedestal, e, associado a um processo de desumanização, problematiza- se uma mulher médica conciliar sua vida social, profissional e afetiva. ⁣ Não só na esfera da medicina as mulheres são meramente resumidas a corpos por homens, objetificando e sexualizando nossos corpos desde amamentação até uma simples foto de bikini na rede social. A nudez e a diversão feminina incomoda. Incomoda pois está escancarado em nossos rostos que assumimos a posição (que sempre foi nossa) de liberdade e livre arbítrio. Nossa diversão não resume quem somos em nossa profissão. Contestar a capacidade de alguém por algo que não seja a própria atuação, responsabilidade e intelecto é extremamente desrespeitoso. Acadêmicos homens na medicina: melhorem ⁣ #medbikini

Uma publicação compartilhada por Coletivo Feminista F.P.O.F (@coletivofeministaunimes) em


O artigo foi publicado em dezembro do ano passado, mas ganhou visibilidade apenas neste ano. Com retratação do Journal of Vascular Surgery, a pesquisa foi tirada de circulação. “Apagar o post por pressão pública não é suficiente. Temos que refletir sobre nosso papel na sociedade e o quanto o machismo tem raízes estruturais, sobretudo na medicina”, diz um trecho da publicação feita pelo Coletivo Flor Por Onde For.


Para Letícia, a mobilização é muito mais do que mulheres postando paralelos de fotos de biquíni e jaleco, “é a insatisfação pelo mundo e normas criadas pelos homens”. Com isso, a estudante de Medicina diz sentir-se motivada ao ver o poder de transformação do movimento.


“Mulheres que identificarem em si a força interna de mudança e se juntarem às outras mulheres semelhantes, criarão uma força revolucionária”, complementa.


Denúncia


Além do machismo denunciado em torno das redes sociais, a estudante de Medicina Kamilla Mayr, de 20 anos, diz que há diversas outras situações cotidianas que as mulheres da área da saúde enfrentam desde o período universitário. “Sempre tem aquele tipo de comentário, principalmente quando a gente fala de especialização”, diz.


Kamilla explica que há especialidades que são caracterizadas como masculinas por diversas pessoas - como, por exemplo, ortopedia, traumas e cardiologia -, “pois exigem um ‘trabalho mais pesado’, e por isso a mulher é colocada de lado”. Com isso, escutar comentários como “você vai fazer dermatologia, né? Porque é mais fácil para ter uma família” e “a área de cirurgia não é para mulher” são comuns no cotidiano da estudante, segundo ela relata.


Por isso, para Kamilla, a mobilização das mulheres com a #medbikini representa muito. De acordo com a estudante, é importante que haja a discussão destes acontecimentos pontuais para que as mulheres se deem conta das situações do dia a dia que também as desqualifica. “Às vezes, por estarmos tão inseridas no contexto, acabamos não percebendo”.


Luíza Maria Brenga, de 21 anos, também cursa Medicina e diz que “atitudes machistas estão enraizadas na sociedade e, infelizmente, refletem muito no curso de Medicina”. Além da problemática em torno das especializações, Luíza diz que as mulheres lidam com diversos outros julgamentos na área da saúde. “As mulheres têm que se mostrar perfeitas o tempo todo para receberem respeito de alguns profissionais da área. Isso precisa acabar”.


Foto publicada nas resdes sociais da estudante de Medicina Luíza Maria Brenga, em apoio ao #medbikini
Foto publicada nas resdes sociais da estudante de Medicina Luíza Maria Brenga, em apoio ao #medbikini   Foto: Arquivo Pessoal/Luíza Maria

Além de ter participado do desenvolvimento da publicação que foi feita por meio do Coletivo Feminista Flor Por Onde For, do qual Luíza passou a participar neste ano, a futura médica fez um apelo em seu próprio perfil pessoal.


“A Luíza que vai à praia e brinca na piscina em um churrasco no fim de semana, não exclui a Luíza que passou horas estudando pra passar no vestibular, que lê artigos científicos, que assiste aulas que nem estão na grade horária da faculdade e que adora acompanhar um plantão”, ressalta a universitária, que diz ser muito feliz fazendo tudo isto.


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