Covid-19: São Paulo deve começar a testar vacina chinesa nesta segunda-feira

Presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas mostra confiança no andamento dos estudos e na efetividade da vacina contra o coronavírus

Por: Arminda Augusto & Editora-chefe &  -  20/07/20  -  14:37
Presidente do Instituto Butantan mostra confiança na efetividade da vacina contra a Covid-19
Presidente do Instituto Butantan mostra confiança na efetividade da vacina contra a Covid-19   Foto: ANTONIO MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

O Instituto Butantan começa a testar nesta segunda-feira (20), em 9 mil voluntários, a fase 3 de uma vacina contra o coronavírus, em parceria com o laboratório chinês Sinovac. Os voluntários são de quatro estados e do Distrito Federal, e passarão pelo acompanhamento em 12 centros clínicos próximos de suas residências. 


O Sinovac está construindo na China uma fábrica de vacinas, com capacidade para produzir até 100 milhões de doses. Se a vacina que começa a ser testada hoje mostrar eficiência, poderá ser produzida também no Instituto Butantan, na Capital.


O presidente do instituto, o médico hematologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Dimas Covas, mostra confiança no andamento dos estudos e na efetividade da vacina. Um dos motivos, segundo diz, é que a tecnologia a ser utilizada é a mesma que o instituto já usa na produção de outras vacinas. 


Nesta entrevista, o médico detalha como se dará essa etapa, o que vem depois dela e quando a nova vacina poderá ser, de fato, colocada à disposição da população, caso sua eficácia seja comprovada.


Começa hoje a fase de testes da vacina que o Butantan está desenvolvendo com a chinesa Sinovac, com 9 mil voluntários. Na prática, como essa etapa se dará?


Exato, o estudo clínico se dará com 9 mil voluntários, em 12 centros clínicos, espalhados por São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Essas pessoas participarão dessa fase em seus próprios municípios. E foram escolhidas, também, pela proximidade com os centros clínicos para que não precisasse de deslocamento. Esperamos que muito em breve já possamos ter demonstrado a eficácia dessa vacina. Estamos muito esperançosos com isso. 


Quanto tempo dura essa fase e em quanto tempo já se terá colhido o resultado dela?


Esperamos incluir esses voluntários em um prazo máximo de dois meses, ou seja, até outubro. A partir de outubro, esperamos a qualquer momento ter os resultados que indiquem a eficácia da vacina. Os voluntários vão ser acompanhados com periodicidade por um organismo internacional, que fica avaliando se o grupo que recebeu a vacina foi mais protegido do que outros.


E como se tem a certeza de sua eficácia?


Quando se constatar, estatisticamente, que o grupo vacinado foi protegido, podemos então iniciar a próxima fase, que é o registro da vacina na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Uma vez registrada a vacina, aí passamos ao fornecimento para a população.


Nessa fase de avaliação da eficácia, o que se observa é se essas 9 mil pessoas desenvolveram o anticorpo no organismo. É isso?


Essas pessoas serão monitoradas de várias maneiras. Uma é em relação a possíveis efeitos colaterais da vacina, por exemplo, uma indisposição, febre, dor. Segundo ponto: se a vacina levou à produção de anticorpos contra o vírus, e se esses anticorpos foram efetivos em protegê-las. Entre os voluntários, há vários profissionais de saúde, que já estão mais expostos ao vírus.


Há dezenas de vacinas contra o coronavírus sendo testadas pelo mundo. O que diferencia essa que começa a ser testada hoje das demais?


Tem algumas características que nos permitem olhar com muita esperança pra ela. Primeiro, é a tecnologia com que ela está sendo desenvolvida, já conhecida, que já foi usada para o desenvolvimento de outras vacinas. O Butantan domina essa tecnologia e já a utiliza para outras vacinas feitas aqui. Essa é uma vantagem significativa. Outras vacinas que estão sendo produzidas utilizam tecnologias novas, que ainda não foram testadas em termos de produção em grande quantidade. Isso faz com que elas precisem demonstrar que, usando essas tecnologias, poderão dar conta da quantidade também. No caso da vacina que estamos testando junto com o Sinovac, temos a garantia de que a tecnologia já foi usada com outras vacinas.


Tudo correndo bem até outubro e o processo seguir para o registro na Anvisa, quanto tempo levará até que possa estar sendo aplicada na população?


Olha, eu tenho o otimismo de achar que até o final deste ano possamos já ter o registro na Anvisa. Acho que no início do próximo ano poderemos ter essa vacina sendo usada pela população.


A participação do Butantan nessa parceria é apenas na seleção e na testagem dos voluntários ou aqui também será produzida a vacina depois?


O Butantan vai fazer todo o controle desse estudo clínico; na segunda fase, fará a formulação da vacina e, na terceira fase, faremos toda a produção dela.


Em um cenário bastante otimista, em que tanto a vacina do Butantan como as de outros laboratórios pelo mundo tenham se mostrado eficientes, é possível que tenhamos até mais do que uma sendo colocada no mercado? Ou pode haver a escolha por uma delas?


Absolutamente normal termos no mercado mais do que uma vacina. Veja como exemplo a vacina da gripe. Há vários tipos de vacinas sendo usadas aqui no Brasil. Vacinas sempre são necessárias, e a cada momento vão se aperfeiçoando, se tornando mais efetivas. O mundo vai precisar de vacinas, e esperamos que a maioria chegue à etapa final com sucesso, porque todos os países vão precisar delas.


Todos sabem que os vírus vão sofrendo mutações ao longo do tempo, se tornando mais resistentes. A vacina continuará efetiva mesmo nessa situação?


Essa é uma situação absolutamente normal no universo das vacinas. O vírus da gripe muta todo ano, e todo ano é uma nova vacina contra a gripe. Se o coronavírus mudar, a vacina também vai mudando.


Como pesquisador e membro de centros de pesquisa há muitos anos, o senhor diria que essa urgência na busca por uma vacina foi fator positivo para o universo científico, ou seja, houve um ganho para a comunidade científica em ter que correr atrás de uma solução rápida para um problema que é mundial e urgente?


Uma crise humanitária de saúde pública como esta nos ensina muitas lições. Estamos aprendendo muitas lições, e uma das mais importantes é que a ciência, nesse mundo moderno e globalizado, é fundamental. É a ciência que tem nos permitido enfrentar essa pandemia. Estamos aprendendo o que já estava à nossa disposição, mas que enxergávamos muito lentamente. A epidemia acelerou essa necessidade, de mostrar a importância da ciência e não só para combater o vírus: a ciência da engenharia social, a ciência que combate as desigualdades sociais, a ciência que procura atender as populações mais vulneráveis. A dor é grande, mas o ser humano aprende muito na dor. Estamos aprendendo muito, e vamos continuar aprendendo enquanto essa epidemia durar.


A urgência em se descobrir logo uma vacina contra o coronavírus não pode colocar em risco os protocolos de segurança? É possível que haja alguma violação?


Eu não posso falar em nome das outras vacinas que estão em andamento, mas todas as que já estão no mercado internacional certamente obedecem a critérios de segurança. Não se admitiria a presença de vacinas em protocolos da Organização Mundial de Saúde que não obedecessem a critérios éticos e de segurança para serem testadas.


Como o Sinovac é um laboratório instalado na China, e sabemos que lá o governo controla muitos segmentos da sociedade, há alguma interferência governamental em todo esse processo de formulação da vacina?


Essa empresa parceira é privada. Tem as suas fábricas na China, mas é privada, assim como a Apple, que tem também suas fábricas lá. Não há nenhuma interferência, não. Por outro lado, é importante registrar que a China deu uma grande lição de combate à pandemia. Pelas dimensões do país, foi dos países menos atingidos. A Ciência chinesa é muito forte e muito competente, e está ajudando o mundo a solucionar esse problema.


De zero a dez, quanto o senhor está animado com o sucesso dessa empreitada?


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