A luta dos jovens contra o coronavírus na Baixada Santista: 'Me arrependo de não ter levado a sério'

Doença que tinha nos idosos a maior concentração de internados passou a atingir os mais novos; quem a venceu relata momentos de medo

Por: Nathália de Alcantara  -  22/03/21  -  10:54

A falsa sensação de que os sintomas da covid-19 seriam apenas tosse e uma febre levou a estudante Paula Ferreira, de 24 anos, a passar quase um mês internada. “Eu me arrependo muito de não ter levado a doença a sério. Na minha casa, todos pegaram. Eu fiquei numa UTI, mas minha avó morreu”.


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Paula mora em São Paulo, mas passa os finais de semana na casa dos pais, em Santos. Lá, a avó materna também morava.


“Eu fiquei um tempo na Baixada Santista, mas quando a situação melhorou, na metade do ano passado, voltei para a minha casa. Logo retomei minha rotina de sair e estar com outras pessoas, como amigos e colegas”, explica.


Ela não tem ideia de onde pode ter se contaminado, mas lembra que vários de seus amigos também pegaram a covid-19. “Alguns ficaram pior, outros apresentaram sequelas só meses depois. Eu não imaginei que, sendo jovem e saudável, ficaria desse jeito”.


Além do medo de morrer, Paula fala sobre a culpa que carrega por ter transmitido coronavírus para a avó Maria, de 68 anos.“Vou carregar esse peso para o resto da minha vida. Não tem nada que eu possa fazer agora, voltar atrás. Por isso, estou me expondo para alertar outras pessoas que ainda têm essa visão ignorante e egoísta que eu tinha”.


Casos


Em São Paulo, estima-se que o número de pacientes graves com covid-19 até 50 anos tenha subido de 25% a 35% neste ano em relação ao ano passado. Esse aumento, no entanto, não impacta só o paciente.


Segundo o infectologista Jacyr Pasternak, do Hospital Israelita Albert Einstein, quanto mais jovem, maior a resistência no combate ao vírus e maior o tempo de cuidados na UTI.“Ao mesmo tempo, o jovem também é um importante vetor, pois ele circula mais, por diversos lugares, e espalha a doença por onde passa”.


Para o também infectologista Eduardo Santos, como jovens e adultos de até 50 anos têm saído mais e se exposto mais, eles se infectam mais e, por resistirem a procurar tratamento, chegam em estado mais grave às UTIs.“Outro fator é que essas pessoas ficam mais tempo nos hospitais, ao contrário dos mais velhos, que acabam piorando e morrendo muito mais rápido. Ou seja, a rotatividade nos leitos, neste momento, é muito menor. Por isso, não há para todos”.


O infectologista Marcos Caseiro explica que os jovens têm menos comorbidades ou problemas prévios de saúde, mas isso não significa que não terão agravamento na doença.“A melhor prevenção, neste momento, é evitar aglomerações e usar a máscara. Não podemos pensar em algo diferente tão cedo, pois a situação está mais grave do que antes e sem previsão para melhorar”, dispara ele.


Quem concorda com ele é a infectologista Solange Ferreira, que também pede para que as pessoas tirem os sapatos antes de entrar em casa e limpem bem os alimentos comprados. “São hábitos que podemos levar para o resto da nossa vida. Eles fazem toda a diferença e salvam vidas”.


Personagens


21 kg a menos


Alexsandro Gil de Sousa Santos,39 anos, coordenador de manutenção do Hospital Beneficência Portuguesa, Aparecida, Santos


Por mais de dois meses, ele ficou deitado numa cama sem saber se reencontraria a noiva, com quem estava de casamento marcado para 20 de outubro do ano passado. Seu histórico era de quem quase nunca fica doente e jamais dormiu em hospital, mas ele enfrentou - e venceu - uma longa batalha contra a covid-19.


Os primeiros sintomas apareceram no final de agosto. Na época, ele pesava 90 kg. Ao se pesar na recente saída do hospital, já estava com 69 kg. Além dos 21 kg a menos, ele passou mais de 50 dias intubado, teve febre, mal-estar e falta ar. Chegou a ficar com 98% dos pulmões comprometidos e, hoje, pede que as pessoas mantenham o distanciamento social, usem máscara e higienizem bem as mãos.


Alexsandro perdeu 21 kg e chegou a ficar com 98% dos pulmões comprometidos
Alexsandro perdeu 21 kg e chegou a ficar com 98% dos pulmões comprometidos

"A primeira tomografia deu 10% de comprometimento do pulmão. Fiquei internado e tomando medicamento. Mas, em dois dias, ele já estava com 50% tomado. Foi quando me mandaram para a UTI", lembra Alexsandro.


Ao acordar, mais de um mês depois, se deparou com sonda para se alimentar e fazer xixi, equipamentos ligados no peito e falta de movimento na perna direita. "Eu fiquei muito assustado, pois tinha apagado e acordado desse jeito. O meu casamento seria celebrado pelo padre Claudio Scherer, que também ficou mal por meses. Foi tudo cancelado por conta da minha situação", explica Alexsandro.


Aos poucos, o coordenador de manutenção voltou a reaprendeu inclusive a sentar e levantar. Mas, até hoje, mantém suas sessões de fisioterapia. Casou no dia 16 de janeiro no civil, mas a celebração na igreja está marcada para 28 de agosto.


"Não tenho muita força no braço direito. Eu pensei que por ser jovem e não ter problema de saúde teria só febre e tosse, sintomas mais suaves. Mas essa doença é terrível, é traiçoeira. Todos pegam e pode ser feio", alerta.


Já recuperado da doença, ele tem apenas pouca força no braço direito
Já recuperado da doença, ele tem apenas pouca força no braço direito

50% de comprometimento em uma semana


Clayton Oliveira,36 anos, empresário, José Menino, Santos


Apesar de começar o tratamento no segundo dia de sintomas da covid-19, ele chegou a ficar com 50% dos pulmões comprometidos em uma semana. “Caminhar da sala para a cozinha parecia uma maratona. Eu precisava sentar para retomar o folego”, lembra Clayton.


O diagnóstico veio no final de maio de 2020 e o a batalha contra a doença, entre se sentir mal e ser liberado do hospital, durou 13 dias.“Comecei a me sentir mal, com febre, uma sensação de quem tinha tomado muito sol. Como já era tempo de covid-19, fiz o teste e deu positivo. Os sintomas foram piorando e a tosse fraca ficou forte”, conta o empresário.


A saturação caiu a ponto dele ter de ficar internado por sete dias e ele dá o recado para quem ainda não acredita em como o coronavírus pode ser cruel. “Eu tomava muita medicação, muita mesmo. Não subestimem o vírus, pois todos pegam e é uma roleta russa”.


A saturação caiu a ponto de Clayton ter de ficar internado por sete dias
A saturação caiu a ponto de Clayton ter de ficar internado por sete dias

Isolada por 20 dias


Beatrice Ricci Nakashima,22 anos, estudante de Medicina, Vila Paulista, Cubatão


Dentro de um quarto, sem apetite, paladar e olfato, ela ficou isolada por 20 dias em outubro de 2020. “Era difícil comer, porque não sentia fome. Fiquei esse tempo de cama, só bebendo água”.


Apesar de não sentir medo de morrer, ela conta que ficou preocupada de poder contaminar suas colegas da república onde mora. “No começo, só sentia dor de cabeça muito forte. Foi uma questão de dias até os primeiros sintomas. Era uma dor que nunca tinha sentido parecida na vida”, lembra Beatrice.


Os sintomas duraram por volta de cinco dias, mas o paladar e o olfato voltaram muito tempo depois. “O paladar voltou completamente no final de novembro. O olfato voltou mais rápido, mas não sentia totalmente o cheiro meu perfume, por exemplo”.


A estudante de medicina não teve febre ou precisou ir até o hospital, mas até hoje sente diferença no sabor dos alimentos. “Quando como ovo, sinto como se estivesse podre. Eu só fiquei tranquila quando percebi que não evoluia o meu quadro”.


Ela pede que os jovens, iguais a ela, estejam alertas. “precisam saber que não é só uma questão de saúde pública, mas de proteger quem a gente ama. Quanto mais cedo e corretamente fizermos o isolamento, mais cedo voltareos a ativa, para a vida normal. Temos de proteger todo mundo”.


Beatrice conta que ficou preocupada de poder contaminar suas colegas da república onde mora
Beatrice conta que ficou preocupada de poder contaminar suas colegas da república onde mora

Intubação e despedida do pai


Clayton Cordovil de Oliveira,42 anos, engenheiro de segurança do trabalho, Vila Natal, Cubatão


Três dias após dar entrada no hospital, ele teve de ser intubado, no final de abril de 2020. Há quatro meses, seu pai morreu, aos 66 anos, após uma batalha de 16 dias de internação contra a mesma doença. "Veio um forte medo de morrer".


Clayton não pratica atividade física regularmente, mas não tem problemas de saúde. Dos oito dias na UTI, sete ficou entubado. Dia 19 de maio recebeu a alta. "A doença é realmente muito séria, foi um surpresa todos os efeitos que ela fez no meu organismo. Eu não esperava por isso".
Ao se recuperar, os médicos falaram para Clayton que seu caso foi muito complicado. "No dia que recebi a alta eles disseram 'marca essa data, porque é o dia que você renasceu, hoje é como se fosse seu segundo aniversário'".


O engenheiro de segurança do trabalho não gosta de lembrar o que viveu, mas conta sua história para alertar outras pessoas. "É preciso entender que podem aprender pelo amor ou pela dor. Não esperem ser contaminadas e contaminar alguém para se prevenir. Quando se fala em coronavírus, se cuidar também significa cuidar do próximo. Espero que eu sirva de exemplo para muitas pessoas de que a covid-19 é realmente uma doença muito séria".


Clayton foi intubado três dias após ser internado e perdeu o pai para a doença
Clayton foi intubado três dias após ser internado e perdeu o pai para a doença

"Eram dias de medo"


Bárbara Letícia Pereira Oliveira,21 anos, estudante de Medicina, Centro, São Vicente


Dias de medo. É assim que ela descreve a lembrança de quando todos em sua casa pegaram covid-19, em setembro de 2020.“Meu pai começou a apresentar sintomas e com isso já nos gerou a preocupação de nos afastar, mas já havíamos tido contato. Nos primeiros dias eu tinha pouquíssimos sintomas, minha mãe (de 46 anos), assim como meu namorado (de 22) e minha irmã (de 11). Então, tivemos dee cuidar do meu pai, de 45 anos”, lembra Bárbara.


Ele teve uma falta de ar significativa, saturou baixo, teve comprometimento pulmonar e relatou sentir bastante cansaço.“No quarto dia da doença foi quando me senti mal, talvez pela tensão de estar cuidando dele. Foi um dia que não saí do sofá, não tinha força para levantar. Senti uma dor de cabeça que nunca havia tido antes”, explica a estudante.


Sua mãe, que antes estava bem, teve de voltar ao hospital nos 10 dias seguintes devido ao cansaço e excessivo. “Ela realmente não conseguia fazer absolutamente nada. Gerou uma grande preocupação, mas os médicos disseram que eram sequelas da doença”.


“É uma doença que precisa ser levada a sério, ela acomete qualquer pessoa, independentemente da idade. Era dias de medo e pareciam não ter fim. Quem não precisa sair, fique em casa! Acredite que você vai ajudar muito fazendo sua parte”, pede Bárbara.


A estudante de Medicina lembra que, no momento, nossa única arma é a proteção individual. “Mais uma vez, a doença é muito séria, não podemos brincar com isso. Ela vem destruindo muitas famílias no mundo todo, vamos zelar pela nossa”.


Bárbara conta que, em sua casa, todos pegaram a doença e cada um reagiu de um jeito diferente
Bárbara conta que, em sua casa, todos pegaram a doença e cada um reagiu de um jeito diferente

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