Racionais MC's lança livro Sobrevivendo no Inferno

Vestibular da Unicamp selecionou o título como uma das leituras obrigatórias para 2020

Por: Do Estadão Conteúdo  -  23/11/18  -  13:30
  Foto: Divulgação

"60% dos jovens de periferia sem antecedentes
criminais já sofreram violência policial." A frase dita no começo de Capítulo 4,Versículo 3 marca o início da jornada que os Racionais MC's, maior banda de rapdo Brasil, submetem ao ouvinte em Sobrevivendo no Inferno.


O disco de 1997 -clássico do hip hop nacional, guia de uma geração de jovens urbanos sobre osproblemas sociais do Brasil, ainda atuais - foi selecionado para o vestibular daUnicamp 2020, por sua poesia contemporânea, e suas letras agora são o material deum livro publicado pela Companhia das Letras.


Em 1997, os Racionais já eram um dos mais importantes grupos de hip hop do Brasil
após o reconhecimento que o primeiro disco cheio, Raio X do Brasil (1993),proporcionou. Mas com Sobrevivendo no Inferno, e a marca de 1,5 milhão de cópiasvendidas, veio a projeção nacional, o trânsito do rap entre classes sociais,aparições mais frequentes na mídia e turnês internacionais. Talvez a principal
inovação do grupo fosse "a maneira de tematizar o cotidiano periférico" de igualpara igual, como diz o professor da Universidade de Pernambuco, Acauam Oliveira,autor do prefácio da edição em livro.Mas há outras que aparecem no Sobrevivendo:"agressividade da postura presente nas letras e nos arranjos, elevado grau decontundência das narrativas, carregadas com o senso de urgência daqueles queestão literalmente em meio a uma guerra".


O texto reúne ainda opiniões de outros especialistas, como Francisco Bosco,Tiaraju D'Andrea e Maria Rita Kehl, para aprofundar o impacto sem igual que odisco teve na cultura brasileira, a ponto de criar uma subjetividade para omorador da periferia que finalmente encontrava uma identificação.


Neste sábado (24), Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay sobem ao palco doCredicard Hall, na única apresentação do grupo no ano, num raro show com banda euma retrospectiva da carreira (prévia da turnê que deve ocorrer em 2019 paracelebrar 30 anos de trabalhos). Sobre o livro, o disco e o futuro dos Racionais,
Edi Rock falou quando recebeu a reportagem no escritório do Twitter, em SãoPaulo, na semana passada.


Racionais pré-'Sobrevivendo' O rap


Eu falo Racionais, mas o rap antes doSobrevivendo no Inferno eram as periferias do Brasil, era onde a mensagemchegava. A gente saiu de São Paulo com Raio X do Brasil (1993) e começou a fazershows nas periferias. A partir do Sobrevivendo saímos para fora do Brasil.Começamos a cantar para várias outras classes. Começamos a cantar nos Jardins. A
nossa vida inteira foi formada na periferia, nos cantos de São Paulo.Pós-Sobrevivendo, começamos a ir além da ponte.


Relação com a mídia


Nesse momento, o grupo passou a ter uma assessoria deimprensa, uma preocupação de divulgar o trabalho corretamente nos veículos decomunicação. Tem esse momento de organização, por onde veio o relacionamento coma mídia escrita principalmente, e não com a visual, digamos. Naquela época, nãotinha internet, estava bem no começo. A gente tinha uma boa relação, pelo quelembro, com o Notícias Populares, com o Estadão, Folha de S. Paulo. E outros. Agente fazia o que eu estou fazendo aqui com você agora.Relação tranquila, natural, estamos divulgando nosso trabalho.


Andar armado na época do disco (após sofrer ameaças)


Houve uma época em que agente era ameaçado, então tinha que andar ligeiro, andar esperto. A gente nãoqueria pagar um segurança oficial, porque tinha que ser polícia. Por isso quecada um tinha posse e porte de arma. E só dava merda. Brigar no trânsito era
motivo para pegar (a arma). Sei lá. No Sul, uma vez, teve um desentendimentoentre o pessoal contratante de um show e a gente. Nosso pessoal foi maltratado,deu uma treta, ficamos nós contra os caras do baile, dentro do ônibus, mópressão.Acabou que o show foi cancelado, um dos nossos integrantes na época levou umacoronhada, teve que ir para o hospital. Eles queriam agredir o KL Jay. Todo mundoentrou dentro do ônibus depois do bate-boca, uma confusão. Quando o busão está
fazendo a volta no quarteirão, os caras encheram de bala. Vários tiros. Todomundo assim: "abaixa, abaixa". Essa é uma das fitas. Sempre dá merda. A partir domomento que a gente parou de andar armado, parece que o ferro e a pólvora selibertaram das entranhas da Terra (risos).


Mudanças na abordagem das músicas


A gente falava meio que como dono da razão.
Como ditador. "Não faça isso, não faça aquilo". Passamos a consertar o discurso.Isso rolou antes do Sobrevivendo no Inferno. Aqui a gente já estava encontrando odialeto, a linguagem direta. Na verdade, no Nada como um Dia Após o Outro Dia(2002), a linguagem é mais rua ainda. Sobrevivendo ainda era a transição. É umdisco mais político. Sobre a época mesmo, da briga pelos direitos humanos,falando da chacina no Carandiru, tudo isso. Mas vejo uma transição. Achamos ocaminho no Chora Agora e Ri Depois (o disco citado acima). Era aquilo queagradava a gente, foi ali o momento "agora sim, som da hora".


Brasil 2018


As pessoas se desesperaram. Como continuar na quebrada? "Precisamosde um capitão do mato", é isso que está acontecendo. O povo elegeu o capitão domato. Então, se prepara. Aqueles que são e continuam lá vão continuar sofrendo,vão continuar morrendo. A urgência é discutir sobre isso. Eu vejo em colocar isso
no meu trabalho, na minha música. Colocar "de onde você veio, para onde você vai,o que você quer". O desespero e a violência venceram novamente. Apareceu um carafalando que era o salvador da pátria, acreditaram, até porque o outro estavadesacreditado, no descrédito. Somos políticos, o que fazemos no dia a dia, o rapé político. O rap briga pelos direitos humanos, pelo direito de ir e vir, pelo
direito de ser livre, porque aprendemos assim.
Ser livre e ser quem você é. Lutar pelo direito de ter sua opinião. Chegou ahora de discutir: o que queremos, o que precisamos na realidade? Se é se amar,pensar na paz.


Serviço


Sobrevivendo no Inferno
Autores: Racionais MC's
Editora: Companhia das Letras

(144 págs., R$ 34,90, R$ 23,90 o digital)

Racionais MC's
Local:Credicard Hall. Av. das
Nações Unidas, 17.955, São Paulo, SP.
Sáb, 24/11, 23h30.
Portas às 22h. R$ 150 /
R$ 90.


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