Músico santista dá aulas em universidade nos EUA

Vida de Adolfo Mendonça começou a mudar após perceber ‘que não sabia nada’ de música

Por: Ronaldo Abreu Vaio  -  14/01/24  -  05:00
Em 2019, em workshop no Sesc de Santos, a cidade natal, onde começou a mergulhar na música com aulas de teclado na antiga Casa Vitoriana
Em 2019, em workshop no Sesc de Santos, a cidade natal, onde começou a mergulhar na música com aulas de teclado na antiga Casa Vitoriana   Foto: Arquivo Pessoal

Na arte, uma obra nunca nasce por acaso. Mas Brazilian Childhood, álbum do santista Adolfo Mendonça, precisou de uma vida inteira para vir à luz. Hoje radicado nos Estados Unidos, foi durante uma viagem a Nova Iorque, em 2015, quando ainda morava em Santos, que o pianista e tecladista se deparou com uma realidade brutal: ele não sabia nada de música.


“Isso porque eu já era um músico ativo em Santos, mais de mil apresentações na noite, fiz parte da banda General Tequila por 10 anos, dava aulas, tinha 30, 40 alunos por semana”.


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Refeito do susto, o que fazer? A resposta foi: estudar. E Adolfo começou um percurso que o levaria a angariar respeito e reconhecimento no berço do jazz. Mas esta história começa muito antes e bem longe dos Estados Unidos. Mais precisamente no Shopping Parque Balneário, por volta de 1993.


Em paz com o jazz: Adolfo ministrando uma masterclass na Universidade Millikin, em Illinois, em 2022
Em paz com o jazz: Adolfo ministrando uma masterclass na Universidade Millikin, em Illinois, em 2022   Foto: Arquivo Pessoal

Teclado
Hoje com 41 anos de idade, Adolfo abriu as portas de sua vida para a música como uma mera “atividade extracurricular”, quando tinha 10. Como morava no Gonzaga, deparou-se com um curso rápido na antiga Casa Vitoriana, no andar térreo do Parque Balneário, pertinho de sua casa. “Também tinha interesse em esporte, mas a música dava prestígio e significado social”, justifica.


Já o teclado surgiu como a opção do momento. No início dos anos 90, a então sacrossanta fórmula: garoto, mais música, igual a guitarra ainda sofria a concorrência da onda eletrônica e dos sintetizadores da segunda metade dos anos 80.


De nota em nota, o músico preenche a pauta. Já com gosto pela coisa, Adolfo chegou aos 16 anos estudando mais. Então surgiram as bandas, os shows, as aulas e quando foi ver, já ganhava a vida com música. Até que veio o baque.


Epifania
Nos dicionários, a palavra epifania indica o conhecimento súbito sobre algo, Para Adolfo, essa iluminação ocorreu em um dia quente do verão nova iorquino, em julho de 2015. A passeio pela Big Apple, foi assistir a um show na lendária casa de jazz Blue Note. “Tinha um quarteto tocando. O saxofonista era absurdo. Como podia tocar daquele jeito? Como pode, numa vida, ser possível? Pensava: ‘nunca vou conseguir fazer isso’”.


Depois do impacto, mãos à obra. Com mais de 30 anos e dois filhos, criou um projeto de jazz no Conservatório de Guarulhos, onde lecionava, começou aulas particulares on-line com uma professora norte-americana e voltou a Nova Iorque um ano depois, desta vez para um curso no New York Jazz Academy. “Hoje eu sou um deles”, brinca.


No Blue Note, mas em São Paulo, 2021: epifania em Nova Iorque
No Blue Note, mas em São Paulo, 2021: epifania em Nova Iorque   Foto: Arquivo Pessoal

De mala e cuia
Além de se aprofundar no jazz, e como só tinha o nível técnico em música, também iniciou o curso on-line de bacharelado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e foi juntando as peças para construir o passo seguinte: o mestrado, mas já nos Estados Unidos, na Universidade South Florida, concluído em 2020. Agora, está a um passo do PhD, pela Universidade de Iowa. “Falta apresentar a dissertação”.


Mas o tom para estreitar as relações com os Estados Unidos vai além daqueles das escalas musicais: vem do diapasão do amor. “Queria ficar nos EUA, porque meus filhos estão morando aqui com a mãe”.


Assim, quando surgiu o primeiro convite para lecionar, não pensou nem uma vez. Hoje, é professor na Universidade de Minnesota, no campus da pequena cidade de Morris, com 5 mil habitantes, onde também mora – a oito horas de carro dos filhos. Não é pouco, mas poderia ser pior: oito horas, mas de avião.


Se o amor pelos filhos se autojustifica, resta apenas uma pergunta: por que o jazz e não, por exemplo, a música clássica? “Pela liberdade, a criatividade da expressão individual, do improviso, de não ter que tocar tudo igual, dentro da expectativa do compositor”. Exatamente como na vida.


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